Se éramos nós crianças que, noutros tempos, com a nossa imaginação e criatividade construíamos os nossos brinquedos, valha a verdade que na Fajã Grande, também pela mesma altura, eram os adultos, com não menos imaginação e outra tanta ou mais criatividade, que construíam grande parte dos objectos necessários ao seu trabalho e às actividades e lides que o seu quotidiano comportava. Entre os muitos e variados objectos de fabrico caseiro ou artesanal estavam os abafadores dos bules de café que existiam em todas os lares e que eram fabricados geralmente pela dona da casa, sendo que a maior parte revelava grande imaginação e assumida criatividade.
Como é por demais sabido, na Fajã Grande o café era, muito provavelmente, a bebida mais consumida. Bebia-se o apetitoso e aromático líquido, feito com uma mistura de favas, chicória e café puro, geralmente misturado com um pouquinho de leite. As favas eram cultivadas por cada um e depois de secas e torradas eram misturadas à chicória e aos grãos de café, comprado geralmente em menor quantidade do que a chicória porque esta era mais barata. Todos estes ingredientes eram misturados e moídos no moinho de café que existia em quase todas as casas, aparafusado numa das paredes da cozinha.
Bebia-se muito café ao longo do dia: ao levantar, pela madrugada, ao longo da manhã, ao jantar, de tarde e por vezes até à ceia ou à noite antes de ir para a cama. Muitas vezes, sobretudo quando se ceifava feitos, lavrava os campos ou sachava o milho, as crianças ou as mulheres iam aos campos levar café acompanhado de pão ou bolo com queijo aos homens que ali realizavam aquelas árduas e cansativas tarefas.
Assim e devido às dificuldades e demoras no acender do lume e ferver a água, muitas vezes com garranchos verdes e alagados, era impossível fazer café a cada hora e a cada momento. Por isso, tornava-se imperioso e necessário que em cada casa houvesse permanentemente café quentinho, mas sem ser feito na altura, o que apenas se conseguia com recurso aos “abafadores”, geralmente feitos pelas mulheres.
O uso dos abafadores diminuiu bastante, nos finais da década de 1950, com a chegada à Fajã das garrafas termos ou “garrafas de calor”, como se dizia, inventadas no longínquo ano de 1892 pelo escocês James Dewar.
Mas creio que actualmente os abafadores terão desaparecido por completo por culpa dos modernos, práticos e rápidos microondas.
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».
3 comentários:
Interessantes retratos do nosso viver antigo.
Saúdo o autor destas crónicas pelo seu empenho em recordar todos estes episódios da nossa vivência insular.
Transmitir às actuais gerações o que custava viver nestas Ilhas abandonadas (quer pela Corôa, quer pela República e Estado Novo) e todos estes ensinamentos e aguarelas de vida, é muito importante, para que saibam o que é que custou aos seus antepassados, avós e pais, viver e trabalhar aqui.
Os meus parabéns ao ilustre Autor destas crónicas.
Os Açores foram penosamente construidos assim. Com muito suor, com muito trabalho e com muita abnegação.
Para chegarmos aqui, houve um percurso. E não se pode planear o futuro sem conhecer o nosso passado.
Sr.Carlos
Mais uma vez os meus parabéns pelos excelentes trabalhos que, com uma qualidade imensa,de forma e de conteúdo,e com indiscutível interesse histórico, vem paulatinamente publicando.Para não repetir, faço também minhas as palavras dos comentadores que me antecedem,os quais felicito pelo bom senso e oportunida dos comentários produzidos, que além justamente positivos,reforçam o sentido das palavras do autor e ajudam a compreender o alcance e interesse das mesmas.
Muito obrigados.
Um Florentino.
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