
Tudo começava com o vigia que, todos os dias, ainda noite escura, se deslocava para a Casa da Vigia, situado a bem lá no alto do Pico da Vigia e que, munido de uns binóculos potentíssimos, vigiava, com muita atenção e esmero, todo o oceano desde a Rocha do Risco, quase abrangendo os mares de Ponta Delgada e do Corvo até à rocha dos Bredos, na Fajãzinha.
Mal avistava uma baleia o vigia atirava uma bomba, se fosse cardume, um foguete. De imediato um magote de homens, muitos deles abandonando os trabalhos dos campos, desatavam a correr, em direcção ao Porto Velho, onde estavam varados os botes e ancorada a Santa Teresinha, numa correria louca, espavorida e atropelada. Não havia contemplação, nem tolerância! Quem estivesse a ordenhar as vacas, a tirar o esterco ao palheiro, a ceifar erva numa lagoa ou fetos no Pocestinho, a sachar milho nas Furnas ou plantar inhames no Delgado, teria que deixar a meio o que estava a fazer e se trouxesse às costas um molho de lenha ou um cesto de inhames teria que o largar sobre a parede do descansadouro mais próximo e desandar, o mais rápido possível, na direcção do mar. Algum familiar mais chegado ou amigo mais próximo havia de lhe terminar a tarefa. Os velhos da freguesia, que já não podiam arrear e as crianças, se não houvesse escola, também se encaminhavam para o Porto, é verdade que numa correria menos comprometida, com o objectivo de se postarem à Eira, em cima do Cais, no Farol ou no Matadouro, a vê-los partir, os velhos a recordar os tempos de outrora, as crianças a sonhar que um dia ainda haviam de ser baleeiros. A baleação, na Fajã Grande, como que estava no sangue de todos. As mulheres também não se haviam aquietado com o foguete. Antes, rápidas e céleres, tentavam chegar a tempo de lançar de terra para dentro dos botes já na água, os agasalhos e as sacas ou cestas cheias de pão, de bolo, de queijo, de linguiça e de torresmos, uma garrafa de vinho ou café, porque o dia poderia ser muito longo e a noite prolongar-se pela madrugada. Depois todos regressavam a casa, encaminhando-se, de seguida, para os campos para finalizarem as tarefas inacabadas ou para iniciarem outras.

Finalmente os botes aproximavam-se das baleias, enquanto o gasolina se afastava para que os barulhos do motor não as assustasse, pois qualquer ruído estranho podia amedrontá-las, fazendo com que se afastassem. Sob as ordens do mestre que orientava a direcção e o movimento do bote com remo “esparrel”, o trancador, um dos homens mais valentes da companha, colocava-se, com os pés bem firmes na proa do bote, de arpão em riste, à espera de que a baleia voltasse à tona para lhe atirar em cheio.

Finalmente o reboque até à fábrica do Boqueirão em Santa Cruz, tarefa que geralmente era realizada pelo gasolina, enquanto os botes, agora a remos e muito lentamente navegavam em direcção ao Porto Velho, onde eram aguardados e saudados, já noite escura, por uma pequena multidão, iluminando o porto com lanternas de petróleo.
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».
1 comentário:
Belos tempos devem ter sido esses,quem tivesse vivido nessa altura e não agora,uma vez que a Fajã está virada do avesso!
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