Mas, para quem vive todos os dias ao nível do mar, nem sempre é fácil a adaptação à montanha. No Island Peak (Imja Tse), cujo topo rodeia os 6.200 metros, “enquanto vários amigos que foram na mesma expedição se aclimataram facilmente, já eu tive alguma dificuldade, tendo demorado um ou dois dias a mais do que eles. Porém, depois de estar aclimatado, talvez devido à prática de mergulho livre, recuperava o fôlego muito mais facilmente do que eles, pois a pulsação baixava mais rapidamente. A primeira vez que atingi os 5 mil metros foi doloroso e passei uma semana com dores de cabeça, mas hoje já consigo reconhecer os erros que cometi na altura. Agora faço a aclimatação sem problemas”. Foi nesta expedição, em 2005, nos Himalaias, com o João Garcia, que Carlos conseguiu um feito único para os açorianos: colocou uma bandeira dos Açores mais alta do que nunca, precisamente nos 6.200 metros.
A determinada altura perguntamo-nos: será que não existe nenhum desporto em que Carlos seja menos bem sucedido? A sua resposta é quase automática e vem acompanhada de uma gargalhada: “Parapente! Esse desporto joga com uma força natural que é o vento, e eu não o consigo dominar. Talvez pela ilha em si, pelos ventos cruzados, pelos vales da ilha, pela quantidade de vegetação e pela deslocação de massas de ar térmicas. Uma vez, decidi voar com um amigo meu mais experiente. Ele preparou a sua asa, levantou voo e eu achei que era uma coisa fácil. Quando me preparei para levantar, não reparei que o vento tinha aumentado e que estava no seio de uma ascendente muito rápida. Sem me aperceber do perigo, preparei a asa e, assim que faço um pequeno gesto para esta levantar, o vento insuflou a asa e subi uns 200 metros sem ter que fazer coisa alguma — parecia-me que estava tudo bem. Mas, entretanto, o meu amigo aterrou e começou a tentar dar-me algumas indicações para eu aterrar. Eu tentava seguir as indicações, mas, assim que estava quase a aterrar e a tocar com os pés no chão, voltava a levantar voo de novo. Ele estava mais preocupado do que eu e não parava de me dar instruções, mas com a força do vento eu não ouvia absolutamente nada. Passada meia hora com várias tentativas falhadas para aterrar, resolvi tentar puxar as últimas duas linhas da ponta da asa (manobra de emergência). Ao fazer isso, corria o risco de ter uma queda abrupta, mas como estava tanto vento eu pensei que não ia correr esse risco. Assim, puxei essas cordas com tanta força que até me cortaram os dedos... mas nunca as larguei até sentir os pés tocarem no chão. Ingenuamente, passei a achar que era fácil aterrar, pelo que levantei voo outra vez. Porém, quando puxo outra vez as duas cordas para aterrar, e já muito perto do chão, um vento traseiro fez com que eu fosse a bater com o rabo numa série de plantas, até que fiquei instalado num enorme campo de silvas. Levei mais de 3 horas para sair dali, já era de noite e o parapente acabou por ficar lá. E foi assim a minha primeira aventura de parapente”.
Mas as histórias vividas por este intrépido jovem não se ficam por aqui e davam direito a escrever um livro de aventuras de fazer inveja a qualquer Indiana Jones. Aqui fica mais uma digna de nota. “Aos 15 anos, com um grupo de escuteiros, resolvemos subir a montanha do Pico. Assistimos a um pôr do Sol fantástico e tudo correu bem. A madrugada é que foi agitada. Um amigo meu, a meio da noite, diz: Carlos estou com uma grande dor de barriga. Não havia ali nada que pudéssemos fazer. Eram 5 da manhã, estava um vento fortíssimo lá fora, e estava quase a chover. Estávamos na cratera do Pico, recolhidos numas grutas vulcânicas com uns 10 metros de profundidade, mas pouco mais de um metro de altura, e tínhamos de rastejar por cima de muitos companheiros para conseguir chegar à rua. Mas a dor dele era tão forte que tivemos mesmo de sair para o exterior. Então, viemos por ali a baixo, a descer a montanha do Pico ‘às cambalhotas e trambolhões’, no meio da chuva, do vento e do nevoeiro serrado, apenas com uma pequena lanterna na mão. Para complicar a situação um pouco mais, na altura não havia marcos de sinalização, apenas umas pedras aqui e ali para indicar o caminho. Apesar de tudo, conseguimos descer e, finalmente, encontrámos a carrinha da Polícia, (hoje em dia existe uma casa de guarda) que estava ali para o caso de acontecer alguma coisa com as pessoas que sobem ao Pico. Levaram-nos ao hospital e descobrimos que o meu amigo tinha uma apendicite “, relembra Carlos.
Parte 2 de 3 da entrevista realizada por Magali Tarouca e publicada na revista de aventura «OutDoor» na sua edição do mês de Janeiro.
Saudações florentinas!!
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