quinta-feira, 25 de junho de 2009

Crónica: «A lancha do Corvo»

Chegado do Corvo, alagado pingando e um nadinha mareado, salto da "Ariel" no cais de Santa Cruz das Flores. Chove que Deus a dá.
A "Ariel" é a nova lancha de transporte regular de passageiros entre as duas ilhas do Grupo Ocidental, um miminho no panorama dos nossos transportes marítimos inter-ilhas: rápida, confortável, bem equipada em instrumentos de navegação, manobrada por piloto experiente, inspira confiança.

Essa não fora, porém, a impressão inicial quando, às oito e meia da manhã, cheguei ao cais do Corvo para embarcar para as Flores: lá estava ela, a bela "Ariel", balouçando catita no mar já mexidote, com o piloto a bordo e o outro tripulante, sozinho, a tentar desenvencilhar-se dos cabos, nós, bóias, pára-choques, pedras (pedras, sim, a servirem de lastro aos cabos), e toda aquela algaraviada de gestos e objectos que antecedem o zarpar de uma embarcação.

Olhei para tudo aquilo com alguma apreensão: era naquilo, com aquilo, que eu, para evitar ficar fechado no Corvo durante vá lá saber-se quantos dias, ia arrostar a forte ondulação do mar entre as duas ilhas... Mas tinha que ser, e o mínimo que me poderia acontecer era chamar pelo velho sangregório que, por infindas viagens nocturnas entre Terceira e São Miguel, na minha adolescência, me atormentou a bordo dos defuntos [navios] Cedros e Ponta Delgada. O facto de uma senhora corvina, que ia às Flores com bilhete de ida e volta, e pela primeira vez na jovem "Ariel", nos informar a todos – mulher prevenida! – que tomara dois comprimidos para o enjoo, ainda me agravou a apreensão por alguns momentos: e se o pessoal começasse a sangregoriar lá dentro?

Insana preocupação aquela: pior do que viajar num pequeno barco em meio de mar alteroso, com pessoas a vomitarem ao meu lado – uma antecipação por provar –, era aquela coisa incrível de estar eu ali, mai-los outros passageiros e as pessoas que os tinham ido acompanhar e deles se despediam, em riba do cais do Corvo, alagados pingando por mor da chuva que caía – e da falta de um abrigo.

Dadas as dimensões do cais do Corvo e a quantidade de passageiros que ali embarcam e desembarcam, bastaria que lá houvesse um telheiro como aqueles que agora se vêem em todas as paragens das camionetas por essas freguesias e ilhas abaixo.

Mas haver.

Porém, não há: seja por culpa da Câmara, da Administração do Porto, ou vá lá saber-se de quem, quer chova ou faça Sol, os que ali quiserem embarcar ou desembarcar, ou despedir-se ou receber amigos e familiares, têm que o fazer, tenazmente, à soleira ou à chuva. E depois, como foi o meu caso e dos meus companheiros de infortúnio, viajar, alagado pingando, com a roupinha colada ao corpo.

Enquanto esperavam, debaixo de chuva, as pessoas refilavam: “Ao menos que houvesse um contentor aberto, que servisse de abrigo”, “Isto é uma vergonha!”, “Era nestas alturas que a televisão havia de vir aqui”... – e eu, preocupado com o mar e com as minhas roupinhas encharcadas, lá ia prometendo a mim mesmo que lhes haveria de dar voz que se ouvisse, até porque, nesse mesmo dia, o Corvo seria ampla notícia regional por causa da minha visita à Escola Mouzinho da Silveira no âmbito do Parlamento dos Jovens.
Infelizmente, porém, o repórter não se deslocara ao cais.

(Chegado às Flores, vejo que no cais de Santa Cruz também não há abrigo para os passageiros. Não deve ser necessário).


Crónica da autoria de Luís Fagundes Duarte [deputado do Partido Socialista à Assembleia da República], publicada (originalmente) no «Diário Insular», edição de dia 1 de Fevereiro (de 2009).
Saudações florentinas!!

16 comentários:

Anónimo disse...

não vale a pena fazer barraca no porto das poças quando estiver pronta a casa de passageiros na doca das lajes é para passar tudo para cá.

farto de mamões... disse...

A crónica do Prof.Dr. Luís Fagundes Duarte, actual deputado à Assembleia da República pelo círculo dos Açores, é bastante pertinente e até oportuna, porquanto já estamos em época alta do turismo e as falhas que são apontadas no apoio ao transporte marítimo de passageiros há muito deviam ter sido resolvidas.

Não haver estruturas de apoio (bilheteira, zona de espera e resguardo, depósito para bagagens e pequenos volumes de mercadorias,etc.) é uma falha muito grave de quem tem a responsabilidade de gerir os portos.

Há sempre dinheiro para tudo (para folguedos, horas extras, subsídios disto e daquilo) e nunca há para aquilo que é minimamente necessário e que custam meia dúzia de tostões.

Os deputados destas duas ilhas também não espevitam os "mamões" dos portos e muito menos espicaçam o lobbie dos barcos encalhados.

É a vida, como diria o São Guterres...

Anónimo disse...

eu quando for às flores não preciso de baracas saio do barco no meu farrari.

Anónimo disse...

Eu também tenho um "farrari", made in Graciosa.

Anónimo disse...

o meu farrari é made in flores.

Anónimo disse...

o primeiro anónimo pode bem ir sonhando, além das lajes ser mais longe do corvo, não tem passageiros para embarcar, logo poruqe haveriam de se deslocar para lá para depois andar novamente para trás por mar?

farto de mamões... disse...

«Relincha o nobre cavalo
Os elefantes dão urros,
A tímida ovelha bale,
Zurrar é próprio dos burros»

Anónimo disse...

e o burro maior foi o que fez a quadra.

farto de mamões... disse...

A propósito deste post, das coisas em geral e dos mamões em particular, aqui vai uma quadra do
extraordinário António Aleixo:

«Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência!"

Anónimo disse...

è uma vergonha não haver um lugar destinado aos passageiros e às suas bagagens. se fosse em s.miguel já estava arranjado, mas como cá há poucos votos, não lhes interessa para nada....

...é o costume!

Anónimo disse...

Pois...pois...já toda a gente sabe que as obras no porto das lajes está incluido a sala de passageiros e vem tude para cá portanto não vale a pena estar a gastar dinheiro dos contribuintes no porto das poças seria injusto.

Anónimo disse...

Se calhar queriam umas Portas do Mar e um navio de cruzeiro para fazer corvo-flores e vice-versa.

Esta barcaça foi paga com o dinheiros dos micalenses e já vão cheios de sorte.

Anónimo disse...

Alguem me sabe dizer quais são os horários da lancha do Corvo entre as Flores e Corvo este mes, e se ela sai é das Lajes ou de Santa Cruz. João Cabral. California.

Fórum ilha das Flores disse...

Caro João cabral neste link pode encontrar a informação dos horários.
http://www.atlanticoline.pt/hlancha.php

A ligação é a partir de Santa Cruz.

Saudacões florentinas

Anónimo disse...

Obrigado pela informação. João Cabral.

Anónimo disse...

Não há abrigo para os passageiros porque o pereira gastou o cimento e areia na casa do ernesto e nas piscinas!