sábado, 15 de janeiro de 2011

«Brumas e Escarpas» #16

O ciclo do milho na Fajã Grande, nos anos 50

Parte VIII – Apanhar e “encambulhar”

O dia de “apanhar o milho”, na Fajã Grande, era um dia de muito trabalho. Mas como geralmente aos trabalhos duros e pesados era dado um certo sentido de alegria, este dia também era, em certo sentido, um dia de festa.

Na véspera era preciso preparar tudo: consertar o estaleiro se necessário, untar os “cocões” e montar a sebe no carro de bois, arranjar os cestos necessários, cortar e desfiar as espadanas e cozinhar a comida necessária de acordo com as pessoas de fora que eventualmente viessem ajudar.

Finalmente o dia da apanha. As pessoas destinadas àquela tarefa dirigiam-se para o campo bastante cedo, umas vezes ainda alta madrugada outras noite escura, sendo que por vezes ao nascer do Sol o milho já estava quase todo apanhado. Os cestos eram colocados estrategicamente em pontos diversos ao longo do terreno enquanto se iam arrancando as maçarocas dos milheiros com perícia e destreza, atirando-as, de seguida, para dentro dos cestos, até os encher bem “acaculados”. Muitas terras ficavam longe do caminho e a elas se tinha acesso apenas por canadas muito estreitas onde os carros de bois não cabiam. Era aos mais jovens, mais robustos e mais fortes que competia a tarefa de acarretar os enormes cestos cheios a abarrotar de maçarocas, às costas, até ao caminho onde o carro de bois os esperava, dentro do qual o milho ia sendo muito bem empilhado e arrumado. Quando a sebe estava rasa fazia-se à sua volta uma borda com as maçarocas mais gradas, criando assim um novo espaço que se ia enchendo e depois uma outra borda e várias outras até a sebe ficar a abarrotar. Uma vez cheio, um ou mais homens, tangendo os bois, conduziam o carro até a casa despejando literalmente o milho na cozinha, caso o proprietário não tivesse uma casa de arrumos adequada.

Ao meio do dia geralmente terminava a apanha e a recolha do milho. A cozinha enchia-se, então, de maçarocas do chão até ao tecto. Enquanto não começava a tarefa de “encambulhar” as crianças aproveitavam para brincar ao escorrega, já que os não havia noutro sítio. Assim entretinham-se vezes sem conta a subir o monte das maçarocas para depois deslizar por ele abaixo simulando e profetizando os modernos escorregas dos parques infantis.

De tarde iniciava-se o “encambulhar”. Sentados em banquinhos ou se os não havia em cestos com o fundo voltado para cima, à volta do monte do milho, homens mulheres e jovens pegavam nas maçarocas uma a uma e procediam a uma avaliação rigorosa da mesma. Se era raquítica, debilitada, atrofiada ou se a casca não cobria bem os grãos era separada das restantes. Caso contrário, isto é se a maçaroca aparentava boa qualidade era lhe puxada uma folha da sua própria casca, o mesmo se fazendo com mais algumas, juntando-se todas numa espécie de molho. Depois retorcia-se a parte das pontas formando uma espécie de trança, dobrava-se e amarravam-se todas muito bem amarradas com um fio de espadana. Eram os “cambulhões” que se iam separando do resto do milho, competindo às crianças acarretá-los aos ombros ou nas mãos para junto do estaleiro onde seriam devidamente pendurados e guardados.

As restantes maçarocas ou seja aquelas que não tinham as qualidades necessárias para serem “encambulhadas” com a casca separavam-se e, no final, eram descascadas mas não na totalidade. Deixava-se em cada uma delas, uma folha mais resistente o mesmo se fazendo com mais algumas, juntando-as todas também num molho e formando “cambulhões” de forma muito semelhante aos das que tinham casca, embora, regra geral, estes “cambulhões” tivessem menor número de maçarocas. Eram os “cambulhões” sem casca.

Finalmente havia algumas maçarocas às quais era impossível deixar qualquer casca. Estas eram guardadas no balaio, uma espécie de cesto muito grande em forma de alguidar, e, depois de postas a secar ao Sol dias e dias, seriam debulhadas e o seu milho seria o primeiro a ser utilizado, quer para encher as moendas e levar ao moinho quer para alimento de galinhas, vacas e porcos.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

2 comentários:

Anónimo disse...

Palavra de honra.
Eu não tenho saudades nenhumas de encabulhar, nem de comer pão de milho, nem de passar o ano com sopas de couves e feijão.

Anónimo disse...

eu estou com saudades de sachar milho comer umas sopas de feijao verdinho tirar rama e espiga amarrar milho.