sábado, 5 de março de 2016

«Brumas e Escarpas» #100

Sopas de leite

Na Fajã Grande, na década de 1950, na maioria das casas, a ceia, hoje denominada de jantar, era constituída apenas por sopas de leite. Estas sopas eram feitas com pão de milho ou, na falta deste, com bolo, cozido para o efeito num tijolo ou com papas. Era um manjar pobre, simples, mas muito saboroso e desejado, sendo que, por vezes, era reforçado e acompanhado com algum conduto, nomeadamente uma fatia de queijo, um pedacinho de linguiça, uma tirinha de torta ou até, um pratinho de sopa de agrião ou couve.

No caso do pão utilizado no leite, havia duas hipóteses de confecionar esta refeição. No dia de cozer o pão, com ele ainda muito quente e logo após ser retirado do forno, este era esmiolado dentro da tijela com o leite, sendo que este nem era fervido. Era o pão que o aquecia. Nos dias seguintes, quando o pão já estava frio, o leite era fervido e deitado de imediato, ainda bem quente sobre o pão esfarelado, sendo assim o leite a aquecer o pão. Se o pão já fosse velho e tivesse alguma apetência para criar bolor, era estufado, isto é, aquecido ao vapor da água colocada no fundo de um caldeirão. Neste caso como ficava muito quente era ele também a aquecer o leite. Em todas estas situações o pão transformado em sopas com o leite era, na verdade, um manjar delicioso, saboroso e muito apreciado

Quando faltava o pão de milho, ou simplesmente quando rareava, cozia-se bolo no tijolo. Depois de cozido, este ainda quente, tal como o pão, era migado no leite fresco e colocado numa tijela, constituindo, assim, uma das mais frequentes e tradicionais ceias da população, sobretudo da mais pobre. Caso o bolo sobrasse de um dia para o outro, procedia-se ao contrário, isto é, fervia-se ou simplesmente aquecia-se o leite, sendo o bolo migado no mesmo, mas ainda frio. Neste caso, era o leite que aquecia o bolo, enquanto no primeiro era ao contrário, isto é, o bolo é que aquecia o leite. Finalmente quando faltava o pão e o bolo faziam-se papas com farinha de milho, as quais, ainda quentes eram misturadas no leite, da mesma forma que o pão ou o bolo.

Este belo manjar era comido em tijelas de louça, muitas delas pintadas, algumas até com interessantes desenhos e com a ajuda duma colher. Estas sopas tornavam-se muito mais apetitosas se fossem acompanhadas com uma fatia de queijo fresco ou meio curado ou com outro conduto ou até com um pratinho de sopa que se ia comendo em conjunto. Havia também quem gostasse delas acompanhados de uma tirinha de linguiça ou outro conduto de porco. Na altura em que as vacas davam bezerro o leite era substituído pelos crostes, sendo que com estes também se fazia queijo, muito bom e adequado para acompanhar as próprias sopas.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

3 comentários:

Anónimo disse...

Um dos empregados do meu avô também comia sopas de leite, com uma colher furada de tanto velha. O leite que escorria pelo buraco era coalhado, servindo para outra refeição.

Anónimo disse...

este comentador das 19.11 está a gosar precisava ter passado por esse tempo para saber para que lado a porco torçe o rabo.

Anónimo disse...

Sim é verdade que este anónimo das 19.11 precisava passar por este tempo para dar o valor e respeito às pessoas.