«Brumas e Escarpas» #19
O ciclo do milho na Fajã Grande, nos anos 50
Parte XI – Os produtos finais: bolo, papas, pão de milho e escaldadas
Moído o milho, a farinha era guardada em casa, num armário ou na amassaria, a fim de ser usada consoante as necessidades, ou seja, para cozer bolo, pão de milho e escaldadas, para fazer papas, para passar o peixe antes do fritar ou até para alimento dos animais.
O pão era cozido uma vez por semana, geralmente à sexta-feira e era dia de grande azáfama e alvoroço em casa. Primeiro era necessário ir ao “cepo da lenha” fender, rachar e picar muita lenha para aquecer devidamente o forno. No dia de cozer começava-se por escaldar a farinha numa enorme celha de madeira ou num alguidar de barro. Para tal regava-se a farinha com água a ferver e, enquanto esta massa arrefecia, aproveitava-se o tempo para acender o forno a fim de o aquecer de tal maneira que cozesse bem o pão. Forno mal aquecido pão mal cozido. Arrefecida a massa resultante da mistura da água com a farinha, juntava-se o fermento guardado da cozedura anterior e a “mistura”, ou seja, dois ou três punhados de farinha de trigo. Seguia-se o amassar, tarefa cansativa pois a massa para levedar em boas condições tinha que ser bem amassada e, no fim, benzida, devendo, a mulher, depois de a amassar, desenhar-lhe uma cruz em cima e rezar a seguinte jaculatória: “San João t’afermente e Sant’Antonho t’acrescente”. Do forno saiam labaredas enormes e vermelhas que enchiam a casa de fumo e de calor. Só estaria pronto pão quando as pedras que ficavam por cima da porta estivessem brancas. Era necessário, em seguida, varrê-lo com o varredouro, geralmente feito de faia do norte ou de louro. Havia quem não tivesse verduras e fizesse um varredouro de trapos velhos mas, neste caso teria que o molhar, o que, segundo as opiniões mais abalizadas retardava e prejudicava o aquecimento do forno. A cinza era retirada, as brasas puxadas para junto da porta e guardadas numa espécie de átrio que esta tinha e protegidas com um semicírculo de ferro para que não caíssem no chão. De seguida a massa era partida em pedaços e padejada numa tigela previamente polvilhada com farinha e depois despejada em cima da pá que os ia colocando e arrumando dentro do forno, o qual deveria ser muito bem tapado. Passado uma hora o pão estava cozido e era retirado, um a um, com uma pá, colocado em cima da mesa e abafado com colchas e cobertores. Se o forno não estivesse bem aquecido o pão podia “encruar” e, se apanhasse frio ao tirá-lo do forno, podia “ocar”. Essa a razão porque nunca se devia abrir a porta da cozinha enquanto se tirava o pão do forno. Também a mulher que o cozia não devia sair de casa e resguardar-se do frio durante toda a tarde e noite.
O bolo e as escaldadas eram feitos com uma massa semelhante à do pão mas sem fermento e sem “mistura”, com a diferença de que o bolo era cozido em tijolo de barro ou na chapa e as escaldadas no forno, imediatamente a seguir ao pão e aproveitando o calor resultante da cozedura deste. Acrescente-se que estas, para não levantarem, eram picadas com um garfo em toda a sua superfície superior, o que lhes dava uma graciosidade específica. Por vezes coziam-se umas escaldadas especiais, uma vez que à massa se juntava graxa e uns pedacinhos de torresmos. Eram as chamadas escaldadas de torresmos.
Finalmente as papas que eram feitas quando o pão ou o bolo rareavam e eram de fácil mas demorada e cuidadosa elaboração. Num caldeirão com água a ferver era lançada a farinha que deveria ser contínua e ininterruptamente mexida com a “colher das papas” a fim de não formar godilhões. Mas verdade é que as papas, por mais mexidas que fossem, inequivocamente se apegavam ao fundo do caldeirão, formando uma deliciosa e apetitosa crosta, conhecida por “Cascão das Papas”. Era um petisco muito desejado sobretudo pelos mais pequenos.
Pão, bolo, escaldas e papas eram comidos geralmente com leite. No entanto o pão, o bolo e as escaldas acompanhavam o conduto da maior parte das refeições. Muitas vezes o pão tinha que ser estufado ou frito para evitar o bolor. O bolo, quando mais velho, também se comia frito.
Na altura em que o milho era apanhado e com as maçarocas que não eram encambulhadas faziam-se as célebres “papas grossas”, de cozedura semelhante às outras mas com a diferença de que o milho ainda estava verde e era moído em casa, num “moinho de mão” que muitas famílias possuíam. Estas papas muitas vezes eram partidas às talhadas e fritas, o que constituía uma refeição muito gostosa e apreciada.
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».
Sem comentários:
Enviar um comentário