sábado, 14 de janeiro de 2017

«Brumas e Escarpas» #118

Matança do porco (Diário de Ti’Antonho)

Quando eu era criança a matança do porco realizava-se de madrugada e era um dia de folia e festa para cada família. A preparação da matança começava muitos dias antes. Era preciso cortar lenha, serrá-la e fendê-la, ir buscar queirós ao Mato para o chamusco e cortar cana roca para secar o curral. Na véspera da matança era preciso picar a cebola para as morcelas, cozer o pão e as escaldadas, preparar as comidas e comprar uma garrafa de aguardente. Eram convidados os familiares mais chegados, os vizinhos ou alguns amigos.

O dia da matança começava cedo, com a chegada dos convidados e do matador que tomavam pequenos cálices de aguardente, para aquecer, coisa rara nos outros dias do ano. Depois enganava-se o porco para que saísse do chiqueiro, tapando de seguida a porta do mesmo para que o porco não voltasse a entrar e se escondesse durante a luta que se seguiria. Alguns homens mais afoitos saltavam para o curral, localizado regra geral atrás da cozinha da casa, tentando agarrar o animal e amarrá-lo pelos queixos. Era nestas alturas que o dono gostava de mostrar o porco aos convidados, com vaidade, pelo seu enorme porte e muita gordura. Depois o porco era puxado ou arrastado até junto da mesa onde era deitado num banco, preso pelos homens e morto com uma facada dirigida ao coração. O sangue era aparado num alguidar de barro por uma mulher e seria utilizado, mais tarde, para as morcelas.

Depois de morto, o porco era “chamuscado” com as queirós trazidas do Mato e que haviam sido postas a secar. Seguia-se a lavagem, a abertura e o esventramento do animal, que posteriormente, era dependurado de uma trave de uma loja, de uma casa velha ou até na cozinha. Depois era o almoço em que se comia peixe, feijão assado, carne de ovelha e caçoila do porco. À tarde o principal trabalho da matança cabia às mulheres; lavar as tripas, encher e cozer as morcelas, depois dependurá-las nos fumeiros da chaminé.

A meio da tarde, amigos da família, expressamente convidados para o efeito, vinham ver o porco, e provar a caçoila, os inhames, as iscas de fígado e um copo de vinho. Depois jogavam às cartas e as crianças jogavam à bola com a bexiga. À tardinha, desmanchava-se o porco, picava-se e temperava-se a carne das linguiças e à noite já se comiam bifes e morcelas. No dia seguinte derretiam-se os torresmos e salgavam-se os ossos que eram guardados numa salgadeira. Minha mãe mandava-me sempre ir levar uma posta de carne e toucinho a casa de alguma pessoa a quem devesse favores.

Era assim as matanças de porco na minha casa, quando eu era criança e que afinal eram muito parecidas com as de hoje.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

1 comentário:

Anónimo disse...

que barbaridade que faziam e ainda fazem aos animais