sábado, 2 de abril de 2011

«Brumas e Escarpas» #18

O ciclo do milho na Fajã Grande, nos anos 50

Parte X – Descascar, debulhar e levar a moenda ao moinho

Ao longo do ano, quando não havia farinha ou quando a existente estava prestes a chegar ao fim, era necessário tirar uma parte do milho que estava pendurado nos estaleiros, de maneira a encher uma moenda que seria levada ao moinho.

Para tal era necessário tirar do estaleiro uma certa quantidade de milho, o qual, antecipadamente devia ser descascado, caso se tratasse de cambulhões, ou seja do que havia sido guardado com a casca. O primeiro milho a levar-se ao moinho era o que se havia guardado no balaio. Só depois de utilizado todo este se recorria ao dos estaleiros, começando sempre pelas cambulhadas. Só depois se tirava milho dos cambulhões. A retirada destes do estaleiro deveria ser sempre inversa à da sua colocação, de forma a não prejudicar o que lá ficava e apenas na quantidade necessária para encher a respectiva moenda, que de imediato seria levada ao moinho.

Na Fajã Grande havia quatro moinhos todos na Ribeira das Casas, dois pertencentes a tio Manuel Luís, um ao Manuel Dawling e o Moinho do Engenho, que teve vários proprietários, sendo abandonado, ainda na década de 1940. Competia a cada agricultor ou a um membro da sua família levar a sua própria moenda ao moinho, tarefa geralmente atribuída às raparigas, as quais aproveitavam a ida para por em dia, às escondidas de alguma parede mais alta, a conversa com os namorados. Na ocasião em que se entregava a moenda era combinado com o moleiro o dia em que estaria moída.

Ao moleiro competia apenas moer o milho, pagando-se ele próprio do seu trabalho através de uma “maquia” de farinha que retirava de cada uma das moendas. Como geralmente não a utilizava para uso pessoal, dado que ele próprio também tinha as suas terras de milho, vendia-a compensando assim todo o trabalho que tinha e as horas que passava no moinho, onde geralmente pernoitava, pois a substituição de cada moenda era manual.

Os moinhos na Fajã Grande, como aliás em toda a ilha das Flores eram movidos a água, por isso eram construídos junto às ribeiras donde se desviava a água para um rego ou levada, que corria na direcção do moinho. A água encanada no respectivo rego corria no mesmo com maior pressão, saía do rego e projectava-se contra uma enorme roda dentada cujo movimento comunicava a toda a restante engrenagem que acabava por movimentar a mó. Na Fajã Grande os moinhos ficavam situados junto da Ribeira das Casas e deles, actualmente, apenas restam ruínas.

Com a devida autorização transcrevo parte de um email que me foi enviado por uma neta de um dos donos de dois dos moinhos da Ribeira das Casas e que retrata o estado a que lamentavelmente chegaram:


“(...) eu não sei bem há quantos anos eles foram construídos, mas sei que eram dois e duraram muitos anos. Eram os meus avós que moíam quase todo o milho da freguesia. As pessoas iam lá levar as moendas ou sacos, eles moíam-no e tiravam meia quarta para o pagamento. Quando meus avós ficaram velhos, os meus pais é que continuaram a moer. Os moinhos usavam a água que vinha da rocha e caía no Poço do Bacalhau. Depois eles construíram uma levada que trazia a água desse Poço até ao moinho. Antigamente tinham que lá dormir porque quando acabava uma moenda eles tinham que por outra, mas meu pai inventou uma engenhoca que quando uma moenda acabava, saltava e puxava uma corda que ia por fora e deixava cair uma espécie de portão ou tampa fazendo com que a água não passasse para cima da roda e o moinho parasse, até de manhã. Assim já não era necessário ficar alguém lá durante a noite.

Pobre moinho! Já nada existe lá a não ser umas paredes, a roda que tinha alguns 30 pés de altura e uns ferros cheios de ferrugem. Parte das paredes e o telhado caíram e as madeiras estão todas podres. Apenas lá ainda se encontram as pedras que moíam o milho. Infelizmente os donos também já todos partiram...“

Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

1 comentário:

Anónimo disse...

Grande Escritor, e grande memória. Tude ao que aqui se relata passou por mim, eram tempos de luta mas de farturas nas terras.