O investigador João A. Gomes Vieira
É uma casa mas parece um barco museu, encalhado entre as quedas de água doce da Ponta da Fajã Grande e a água salgada do mar da ilha das Flores. A casa do investigador marítimo e escritor João Gomes Vieira é um monumento a uma vida dedicada à inventariação, investigação e recolha das coisas dos mares dos Açores.
João Gomes Vieira vem a descer a rua que desce da Igreja da Ponta da Fajã Grande em direção a sua casa, envolto num cenário verdejante onde pontuam quedas de água que se despenham das alturas. «Venha meu amigo, vamos conversar», diz João Gomes Vieira, à medida que nos vamos aproximando da casa que mantém na Ponta da Fajã Grande e onde tudo ali remete para o mar, os navios, as memórias de naufrágios, da baleação.
Filho e neto de baleeiros, escritor, investigador, fundador do Museu das Flores, um homem profundamente ligado ao mar, vive ali numa zona palco de baleação, naufrágios e tragédias marítimas. Membro da Academia da Marinha, consultor do Museu da Baleia de New Bedford, João António Gomes Vieira recebeu no passado dia 10 de Junho, a insígnia de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Entro numa sala pejada de memórias marítimas. Do tecto em madeira desprendem-se alinhadas umas às outras dezenas de canecas. «Esta casa», explica João Gomes Vieira, «é feita com madeira de salvados de navios. Estas portas aqui são do navio RMS Slavonia».
O RMS Slavonia, um enorme navio transatlântico pertencente à britânica Cunard Line viajava entre Nova Iorque e Trieste (na Itália) quando, em Junho de 1909, alguns passageiros terão pedido ao comandante para ver as ilhas. Envolto em nevoeiro, o navio acabaria por naufragar perto da costa da ilha das Flores entre o Lajedo e a Costa do Lajedo. Os cerca de 600 passageiros salvaram-se graças à ajuda das tripulações de dois navios transatlânticos alemães e de muitos florentinos.
O Slavonia levou meses a afundar e muitas peças do navio foram retiradas por locais. Aos poucos, João Gomes Vieira foi recolhendo, encaminhando para o Museu. Algumas, guarda na preciosa sala da Ponta da Fajã Grande. «Veja, esta papeleira de bordo também pertencia ao Slavonia». Na sala guarda também salvados de outros navios que naufragaram na zona. «São peças que estavam abandonadas nas casas da ilha e que eu fui guardando». Uma, por exemplo, pertencia a um navio grego que naufragou em 1967 perto da Ponta da Fajã. Outra pertence à barca Bidart. «A Bidart vinha da Nova Caledónia carregada de minério de níquel com 110 dias de viagem em 1915 e encalhou perto da Fajã Grande».
Nunca deixando a sua ilha mas viajando pelos Açores, pelo Continente e pelos Estados Unidos, João Gomes Vieira dedicou uma grande parte do seu tempo à investigação da história e da vida marítima. Na série de sete livros «O Homem e o Mar», o investigador florentino escreve sobre a cultura marítima açoriana. Das embarcações dos Açores do início do povoamento à inventariação do património marítimo, das histórias dos lobos-do-mar açorianos à baleação, cabotagem, construção naval em madeira, Vieira investiga tudo. Entre as suas recolhas, encontra-se um glossário baleeiro recolhido na ilha das Flores e inúmeras fotos, muitas de particulares, outras dos Arquivos Públicos dos Açores.
Filho e neto de baleeiros, João Gomes Vieira gosta de dizer que «o mar é a melhor escola de formação de um homem. A minha família veio para aqui há sete gerações», conta, enquanto caminhamos na Ponta da Fajã, «viemos do Alentejo, de Viana do Alentejo a mando do Rei D. Manuel I».
O bisavô de João Gomes Vieira foi um dos florentinos que embarcaram nos navios baleeiros que paravam na ilha das Flores para abastecer. «Embarcou aos 17 anos, atravessou o Cabo Horn [ponto mais meridional da América do Sul], o Alasca, esteve em São Francisco. Voltou mais tarde para a ilha, investiu em terrenos, ganhou dinheiro, morreu em 1907».
Na família, muitos foram para os Estados Unidos como baleeiros, primos, tios. O pai de João Gomes Vieira foi o último dessa enorme rede de oficiais baleeiros na família. «O meu pai apesar de oficial baleeiro sabia que a luta no mar era muito desigual e nunca quis que fossemos para a baleação. Não contava as suas proezas. Só muito mais tarde, no final da vida me foi contando...»
Embora a sua profissão fosse em terra, Gomes Vieira sonhava com o mar. «Aproveitava cada viagem em trabalho para trazer peças para o Museu. Fui muitas vezes a Santa Maria e a Lisboa no Transal (o avião da missão francesa na ilha das Flores) e vinha carregado de cartas de navegação, livros... Enfim, desde rapazinho que guardei bússolas, binóculos. Uma paixão».
Crónica do jornalista Nuno Ferreira no portal «Café Portugal».
Saudações florentinas!!
5 comentários:
mais uma cabeça fina das lajes.
Parece que muitas das coisas que lá estao deviam estar no Museu! Será?
deves estar a sonhar alto
Muito bom artigo, é sempre bom ouvir este homem e suas histórias.
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