Açores: obra-prima da Natureza
Flores, a ilha rosa. Convoquem-se os poetas para a orgia dos sentidos. No ponto mais ocidental da Europa, a natureza quis despedir-se do continente em louvor de si mesma e criou um lugar onde o paraíso se desprendeu já da Terra, pairando acima de todas as coisas ordinárias.
Das falésias jorram 200 cascatas e há sete lagoas encantadas na caldeira de um vulcão extinto – uma Negra, outra Branca, uma Funda, outra Rasa, a da Lomba e a Comprida, e até uma Seca –, lugares de uma apaziguadora beleza, quase irreais. A superfície acidentada da ilha, escarpas, picos, falésias, morros e outros fenómenos geológicos, cobre-se de verde, pintalgada aqui e ali por paredes de hortênsias azuis e cor de rosa e por vacas pastando no meio de nuvens. Nas aldeias, fajãs e fajãzinhas desfilam vidas rurais e piscatórias, histórias de emigração e bailaricos de Verão, que este Portugal tem um pé na América, mas é genuíno, folclórico e velho de seis séculos.
Aterramos com piruetas artísticas no aeroporto de Santa Cruz das Flores e despachamo-nos a alugar um carro para aproveitar o Sol, “que o tempo vai mudar”, informa a rapariga da rent-a-car. De mapa na mão e corações ao alto, vamo-nos extasiando à medida que subimos em direção ao centro da ilha numa autêntica caça ao tesouro, que, neste caso, são as lagoas. As paisagens são de nos deixar sem pio, alongando-se até ao mar. A cada curva, a cada desvio, todo o cenário muda. De O Senhor dos Anéis para Uma Casa na Pradaria. De O Nascimento de Vénus, de Botticelli, para As Ninfas, de Claude Monet. O rumorejar da água, pequenas gargalhadas que se harmonizam com o canto dos pássaros e com o vento a bater nas copas da floresta laurissilva, serve de banda sonora.
A caminho da nossa próxima maravilha, as cascatas da Ribeira Grande, na Fajãzinha, paramos nos muitos miradouros e tentamos adivinhar a forma de um dos ex-líbris da ilha, a Rocha dos Bordões, mas uma nuvem teimosa encavalitou-se nos píncaros e nunca chegaremos a vê-la. E para quê lamentos quando, depois de uma caminhada de 20 minutos por um trilho para duendes, elfos e outras criaturas fantásticas, nos deparamos com o Éden tal como o imagináramos? Do alto de uma falésia forrada a musgo despenham-se várias quedas de água que entram na rocha e voltam a sair, diluindo-se num lago verde, quieto, onde um pássaro solitário em voo elíptico e a luz solar filtrada pelas árvores projetam sombras. Pedir ao tempo para parar. E ao dia para não acabar. Mas o sol já vai descendo e queremos vê-lo a ir-se embora da Europa no restaurante Pôr do Sol, que fica na pitoresca Fajãzinha. De preferência com o dente em deliciosos petiscos como as tortas de algas e as lapas grelhadas, a linguiça com inhame e a morcela com batata doce, o cozido de porco e o albacora no forno. Tudo regado com bom vinho branco dos Açores para uma despedida condigna ao astro-rei.
Dançar nas nuvens
Acordamos na patusca aldeia e turismo rural da Cuada, onde pernoitámos, e fazemo-nos à estrada determinados a conhecer a ilha toda, mas parece que D. Sebastião se perdeu e veio aqui parar. Não se vê um palmo à frente do nariz e a chuva rapidamente nos deixa molhados quando tentamos espreitar os miradouros, as pontas e as fajãs entre Santa Cruz e Lajes das Flores. As terriolas lá vão dando um ar da sua graça com as torres sineiras das igrejas repicando dolentemente as horas. E os campos abrem-se de repente para deixar passar um arco-íris inesperado, vacas insuspeitas em prados de flores ou alegres ribeiras em cânticos sibilinos.
Almoçamos numa tasca da Fajã Grande (beba Kima de ananás, refrigerante açoriano) depois de NÃO vermos sequer o fantasma de um ilhéu entre Lajedo e Mosteiro, e fazemos a pé o bonito percurso até à Poça do Bacalhau. Se já estávamos molhados, agora estamos encharcados. A chuva e o vento empurram a magnífica cascata na nossa direção e a poça, onde normalmente se está a banhos, ruge enlouquecida.
Fazemos check-in e mudamos de roupa no Hotel Flores, em Santa Cruz, decididos a abordar o norte da ilha entregues aos desígnios do astro. Que nos vai retribuindo a confiança. Ora rasgando as nuvens como pano fino, ora desaparecendo e deixando-as engolir das colinas vacas milagrosas, mas persistindo sempre até termos no horizonte, nitidamente, a ilha do Corvo, com a sua misteriosa aura negra.
É com um Sol tímido que visitamos o parque de merendas do ilhéu da Alagoa. Atravessando a ponte de pedra, percorremos a canada paralela à ribeira do Cascalho até encontrarmos, lá em baixo, a romântica praia de seixos em frente aos ilhéus. No topo, por cima da praia, um relvado florido e a Casa da Vigia, entre muros de pedra negra, compõem o parque onde também se pode acampar em condições rudimentares. De alma cheia, prosseguimos até Ponta Delgada, no extremo norte da ilha, visitando pelo caminho os miradouros dos Cedros, de Ponta Ruiva e da Pedrinha e deslumbrando-nos com as colinas e escarpas forradas de flores, com paredes de musgo matizadas de verdes que nunca pensámos existirem. E que mais dizer quando suspeitamos estar perante o que resta da criação do mundo? Apenas isto: acredite em nós!
Trilhos pedestres e grutas
Guarde tempo para fazer a pé os vários trilhos. É a única maneira de desfrutar plenamente deste revigorante banho de natureza. Tal como o Corvo, a ilha é um importante local para observação de pássaros, de vida marinha e de vegetação endémica. As furnas do Galo e dos Enxaréus também merecem visita. Há passeios de barco.
Reportagem da «UP Magazine» - a revista de bordo da TAP.
Saudações florentinas!!
3 comentários:
Imensamente agradecida e embevecida ao término da leitura desta reportagem.
escusado seria dizer que a nossa bruma agasalhou-se dentro de mim, e, com lágrimas explicitas se fez doçura.
São muitos quilômetros de mar a me separar deste encantamento perdido há mais de sessenta anos.
Quem sabe um dia possa juntar minha metade perdida, quem sabe num dia de muito nevoeiro, para não fugir à regra do redentor sebastianismo.
Só para dizer que espero que o desejo da Maria Teresa se torne realidade muito em breve.
Quem sabe aconteça um milagre do Menino Jesus
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