segunda-feira, 12 de julho de 2010

«Preto no Branco» #44

Ai de ti

Aplica-se sempre. É inerente à condição humana: as “boas” ideias, seguidas das respectivas iniciativas ou propostas - quando conseguem fazer caminho, vencer obstáculos, mobilizar apoios, e ganhar força bastante que as leve ao sucesso – geralmente não têm dono.
Quando tal não acontece, então, costuma ser entendido que a ideia é “má”, e caso se procurem autorias, nas mais das vezes, o plural é trocado pelo singular, apontando-se um responsável.

Vem isto a propósito da petição lançada online, em Janeiro passado, poucos dias após a tragédia que se abateu sobre o Haiti, a 12 desse mês, que, segundo as últimas informações disponíveis, causou mais de 220 mil vítimas, mais ou menos o equivalente a toda a população dos Açores, para se ter uma noção da mortandade. Para não falar no número de desalojados, que ultrapassa o meio milhão, ou dos apoios prometidos, que teimam em não chegar àquele povo mártir.

Donde, hoje, que se completam seis meses sobre o sismo, e considerando que a iniciativa “Ajuda de Portugal ao Haiti: acolher desalojados na nossa terra” falhou em toda a linha, entendo dever deixar aqui algumas notas, não para justificar o fracasso, mas para aclarar o contexto em que a Petição foi lançada, para que não fique a sensação que foi algo pensado e feito de ânimo leve, apenas com o mais primário dos voluntarismos:

  1. A ideia nasceu nas Flores. Porém, dado que nos Açores ou noutra parte do País não surgia proposta similar, era importante que ganhasse “lastro”, pelo menos em várias ilhas, de modo a poder ser assumida como Regional;

  2. Uma iniciativa da “sociedade civil”, teria que o ser, de facto, autêntica e genuinamente. Não faz sentido que determinada instituição ou entidade chame a si uma proposta, desconhecendo qual a receptividade no terreno e a nível operacional das pessoas e/ou colectividades. Não obstante, houve a cautela prévia de abordar discretamente a Diocese de Angra e o Governo Regional dos Açores, para eventuais diligências, que seriam necessárias, caso a sociedade civil demonstrasse, de facto, vontade em receber desalojados do Haiti nas nossas ilhas. Sem o concurso dos canais institucionais respectivos, impossível seria accionar os empenhos congregados.
    Ora, quer num quer noutro caso, a reacção foi positiva, ou seja, quer a Diocese quer o Governo Regional, ao mais alto nível, manifestaram ver a iniciativa com bons olhos, coisa que, por si só, garantiria “a ponte” com o Patriarcado e Governo da República;

  3. Por outro lado, sabendo-se, de antemão que o papel de Portugal na ajuda ao Haiti não seria feito fora do quadro da União Europeia, iguais abordagens foram feitas ao Governo e à Presidência da República e os feedbacks foram igualmente positivos. Sabíamos que só com o empenho da Casa Civil do Senhor Presidente da República, bem como do Governo da República, designadamente ao nível dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, e da Solidariedade Social, haveria hipótese de inserir a iniciativa nas agendas, a qual, apresentada como regional, poderia ser tomada como nacional, no concerto dos países dispostos a ajudar. É claro que toda essa embrionária articulação não poderia ser alegada aos eventuais subscritores na altura, dada a delicadeza que (caso tivesse chegado a sê-lo) um assunto de Estado envolve. Se há regra que é “sagrada” é manter reserva, enquanto determinado processo não está suficientemente “maduro”, sendo que, ainda assim, quem afere das condições para assumir publicamente esta ou aquela posição não são os proponentes mas sim os destinatários – convém lembrar;

  4. Ora, para quem se der ao trabalho, perceberá melhor agora o cuidado que foi posto na “Exposição de Motivos”, propositadamente abrangente, de modo a que, para além dos cidadãos, individualmente considerados, as entidades destinatárias, numa segunda fase, pudessem adoptar o documento e desenvolve-lo posteriormente, através de instrumentos complementares;

  5. Simultaneamente, sobretudo a nível local - leia-se Regional - foram enviadas dezenas, talvez centenas, de mensagens por email, a começar por Juntas de Freguesia, passando por Municípios, e acabando na ALRA, sem esquecer os órgãos de comunicação social, e ainda diversas associações, como, por exemplo, Bombeiros, Escuteiros, Misericórdias, Casas do Povo, entre outras - no sentido de se apurar, em cada ilha, exactamente, quais os recursos humanos e logísticos que estariam disponíveis;

  6. O facto de se entender oportuno vir agora dar estas notas, prende-se, tão só, com uma conclusão – se a iniciativa “Ajuda de Portugal ao Haiti: acolher desalojados na nossa terra” falhou, não por falta da abertura revelada pelos mais altos responsáveis, que seriam interlocutores da Região com o País e deste com a Comunidade Internacional.
    A questão teve que ver, essencialmente, com a falta de apoio à iniciativa, por parte dos cidadãos e das “forças vivas” locais, designadamente das ilhas dos Grupos Central e Ocidental, que foram pensadas como as mais acolhedoras para os deslocados, ainda que em número diminuto, estimado entre 5 a 25 por ilha, mas que, no cômputo final, seria significativo, em função da nossa dimensão, e extremamente positivo, do ponto de vista do alcance desse gesto tão fraterno e tão simbólico, condizente com os valores civilizacionais e comunitários, que geralmente invocamos com propriedade inteira;

  7. Porquanto, o autor destas linhas tem que agradecer, reconhecido:

    - às pessoas com quem primeiro trocou impressões sobre o assunto e que, de forma generosa e anónima, ofereceram os seus contributos e manifestaram ficar à disposição para aquilo que fosse necessário fazer, fosse o que fosse;

    - a todos e a cada um dos que acederam integrar os signatários proponentes (por ordem alfabética: Carlos Morais, Frederico Maciel, Jorge Rodrigues, Manuel Rita, Tomás Rocha e Tomaz Ponce Dentinho), tendo aceite de imediato corroborar, assumir e até delegar a condução da iniciativa, ao contrário do que é habitual, a alguém mais “periférico”;

    - a quem, de boa vontade, subscreveu a Petição, bem como aos que, por qualquer motivo, embora não a tenham subscrito, manifestaram por outro meio o seu incentivo;

    - à Ouvidoria das Flores, na pessoa do Rev. Padre David Barcelos, pelo interesse e entusiasmo que, desde a primeira hora, revelou, tendo sido consequente nas palavras e nos actos;

    - aos amigos e conterrâneos - Nelson Fraga, que não se poupou a esforços e despendeu horas a formatar informaticamente os conteúdos enviados para colocar a Petição online, para além de ter prontamente acedido a que o blogue “Fórum ilha das Flores”, de que é administrador, alojasse a iniciativa. Ao César João Sousa, dono do blogue “Liberdade Democrática na ilha das Flores”, que também “na hora” fez questão de veicular online a proposta, tendo ainda dedicado um “post” para o efeito.
Dito isto, resta-me chamar a mim o fracasso da iniciativa, e assumir, perante todos, a responsabilidade por uma ideia que “não passou”, bem como acatar ainda eventuais críticas que possam ser imputadas.

Diz o dito popular, “Nunca peças a quem já pediu, nunca sirvas a quem já serviu”... espero que nos Açores, em especial nas ilhas mais pequenas, continue a viver-se na “abundância” actual, que o nível de vida possa subir, que as catástrofes naturais não assolem esta terra, e que nunca seja preciso pedir nada a ninguém.

Preto no Branco,
Ricardo Alves Gomes

2 comentários:

Anónimo disse...

Meus amigos do concelho das Lajes tive que me ausentar das Flores, mas já regresei. Assina o sempre atento para o melhor do Concelho das Lajes.

Pato Bravo disse...

É uma pena as pessoas não darem importância a iniciativas deste género.