quinta-feira, 19 de maio de 2011

«Brumas e Escarpas» #21

O Descansadouro da Laje da Silveirinha

Ao cimo da Ladeira da Silveirinha, na Fajã Grande, havia um grande largo e nele, do lado esquerdo de quem subia a ladeira, estava cravada uma enorme laje conhecida por “A Laje da Silveirinha”. Era uma pedra monumental, achatada, de forma circular e com a parte superior muito lisa, uma espécie de mesa redonda, embora sem pés e muito baixa, a fazer lembrar um verdadeiro monumento megalítico. A ladeira que começava numa curva do caminho, no sítio em que ele mais se aproximava da Rocha e de onde se desfrutava de uma bela vista da Figueira e de muitas das suas lagoas e levadas, subia íngreme e pedregosa, latejante e desoladora, ao mesmo tempo que se ia alargando até chegar ao cimo e desembocar num amplo e tosco largo, onde pontificava aquela espécie de tampa aparentemente retirada de um dos menires do Cromeleque de Almendres – a Laje da Silveirinha.

Ora foi precisamente este emblemático e desmedido local, donde também se vislumbrava uma boa parte da freguesia, que os nossos antepassados adaptaram a descansadouro, um dos vários construídos ao longo do caminho que ligava a Fontinha aos Lavadouros. Este era de facto um local que possuía quase todas as condições ideais para um bom descansadouro. Havia uma única excepção: a falta de água, carência, aliás, comum à maioria dos descansadouros, pese embora a Fajã Grande fosse terra de muita água. No entanto, a água bebível mais próxima da Silveirinha, ficava longe dali, mais concretamente nos regos das lagoas da Figueira, situados a uma boa distância, com difícil acesso e dispondo apenas de folhas de inhame como recipiente adaptado para o transporte do precioso líquido. De resto, a Laje da Silveirinha era um local quase perfeito para animais e homens descansarem, aliviando-se durante alguns minutos das pesadas cargas que traziam aos ombros, pois era um espaço bastante largo, com paredes altas e seguras, de um e outro lado do caminho, para colocar molhos, cestos e outros carregos ou para amarrar o gado ou encostar o carro de bois ou o corsão. Para além disso, o Descansadouro da Laje da Silveirinha ainda possuía uma excelente bancada natural. É que a própria laje servia, na perfeição, de assento, pese embora, do lado das Queimadas, tivesse sido construída uma bancada tosca e rústica, feita com pedregulhos grosseiros e achavascados. Neste descansadouro confluíam três canadas. Uma, mesmo ali, junto da Laje e que ligava este caminho ao das Queimadas, outra, um pouco mais acima e do lado oposto do caminho, proveniente do Cabeço da Rocha e, finalmente, ainda mais acima e já quase na Escada Mar, uma terceira canada que servia de acesso às hortas e terras de mato da Silveirinha.

Sendo assim, este descansadouro servia, em primeiro lugar, de descanso sobretudo para quem vinha carregado destas três canadas, uma vez que a maioria dos homens oriundos dos lugares que ficavam a sul da Escada Mar, aproveitava o descansadouro, que ficava um pouco mais acima e era bastante maior e mais largo – o Descansadouro da Escada Mar.

Contava-me minha avó, que este descansadouro foi palco de um dos mais comoventes actos heróicos praticados, outrora, na Fajã Grande. Por ali terá passado Ti’Antonho do Alagoeiro, a arder em febre e com uma hérnia a sair-lhe pela barriga, quando foi, numa correria louca, desde o seu cerrado das Queimadas até ao Cabeço da Rocha, socorrer Pai Cristiano que ali, junto à rocha, agonizava sozinho, lançando angustiantes estertores que, ecoando na Rocha, se transmitiam desalmada e pungentemente pelos vales e outeiros dos arredores. A sangrar e com as tripas de fora Ti Antonho do Alagoeiro ainda carregou às costas o velho, já cadáver, transportando-o até a sua casa, na Fontinha e entregando-o à sua família, que nem sabia o que se havia passado...


Carlos Fagundes

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez parabéns Carlos Fagundes;
É outra imagem bem real da vida no meio rural,na nossa Ilha,nos anos 50 e 60 do Século XX. Os descansadouros,os carregadouros...recordações de realidades ainda próximas no tempo, mas tão distantes no progresso.
Cumprimentos.

Alberto disse...

Excelente.