domingo, 23 de outubro de 2011

«Brumas e Escarpas» #28

Como se enganavam as galinhas

Na Fajã Grande, todas as casas, incluindo a do senhor padre e a do faroleiro, tinham as suas galinhas. Geralmente eram criadas num curral, junto à porta da cozinha e alimentadas com milho e com o farelo que sobrava do peneirar da farinha. Com ele, juntando-lhe água, fazia-se uma massa a que, por vezes, se adicionavam couves cortadas, cascas de batatas picadas ou outras sobras de comida, a fim de que o cardápio das ditas cujas ficasse mais suculento. Era também no curral que ficava o poleiro, ou um casoto de madeira encravado na aba duma parede, ou uma espécie de furna debaixo de um pátio, com o respectivo linheiro, o que permitia recolher os ovos com muita facilidade. No entanto, quem tinha hortas por entre as terras de mato, tapava-lhes bem as paredes, amarrava e cosia as asas às galinhas e soltava-as na mesma, com a dupla vantagem de lhes retirarem as ervas daninhas e de lhes irem lançando algum estrume.

Quando meu pai arrendou uma horta da Cancelinha, foi decidido que para lá haviam de ir as nossas galinhas. Coube-me a mim, por ser o mais novo e ainda pouco afoito a trabalhos mais pesados, a tarefa de lá ir todos os dias, a fim de lhe reforçar o menu e recolher os ovos.

As atrevidas, porém, apanhando-se à solta decidiram que os haviam de pôr, aqui e além, onde bem entendessem, muito escondidinhos e mudando de sítio em cada dia, o que me obrigava a uma tarefa árdua, incómoda, demorada e por vezes improfícua para lhes descobrir os esconderijos. Era costume, para evitar tal estouvado procedimento, deixar-lhes um ovo no linheiro inicial e assim, as parvas, cuidando cada uma que ele era seu, iam, à vez, lá desovar os restantes. Não me podendo dar ao luxo de utilizar semelhante estratégia, pois todos os ovos eram poucos para alimentar tantas bocas famintas lá em casa, decidi arquitectar uma nova artimanha que substituísse aquele estratagema.

Assim, resolvi ir a uma lixeira que havia nas Furnas, por cima das Mexideiras e junto ao Caneiro, para onde se atirava tudo o que eram velharias inúteis: camas, portas, caldeirões, roupas, ferros velhos, etc. Revirei, procurei, rebusquei e lá encontrei a metade da mão de uma porta, em loiça, muito branca e redondinha, em forma de meia-lua. Não podia ter sido mais eficiente a minha pesquisa! Lavei-a, limpei-a, meti-a no bolso e, no dia seguinte, levei-a para a Cancelinha, na esperança de que seria a última vez que procuraria ovos pelos mais esconsos recantos da horta. Dos vários linheiros que descobri, seleccionei o melhor, recolhi os ovos, ajeitei-o muito bem e coloquei-lhe a metade da mão da porta de tal maneira direitinha e com a parte bojuda virada para cima, de forma a simular, perfeitamente, um ovo.

E não é que a partir desse dia nunca mais tive que procurar ovos por outros sítios ou em novos linheiros. Ai! Que tolas que eram aquelas galinhas!


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa Memoria Senhor Fagundes, aqui pelos lados das Lajes muito saca de erva feitiçeira apanhei para as galimhas comerem para se poupar no milho. Quanto aos ovos havia um Senhor que se chamava José Noia que tinha um ovo de madeira para não deixar o verdadeiro e elas iam lá por.

Anónimo disse...

li esta no sapo
governo quer acabar com as pensões vitalicias dos politicos
eu a digo nunca deveria ter existido estas pensões.