domingo, 19 de agosto de 2012

«Brumas e Escarpas» #46

Meio-dia na Graciosa

Antigamente, na Fajã Grande, quando se ouvia um burro zurrar dizia-se que era “meio-dia” na Graciosa. A razão desta estranha e inédita metáfora era simples. É que na ilha Graciosa, ou ilha Branca como, por vezes, actualmente é designada, existiam muitos burros, contrariamente à ilha das Flores e mais concretamente à Fajã Grande, onde, na altura, os asininos rareavam.

Na realidade, a ilha Graciosa era identificada, nesses tempos, como a ilha açoriana dos burros assim como Santa Maria era a ilha dos “cagarros”, enquanto São Miguel era a dos “coriscos mal amanhados” e a Terceira a dos “rabos tortos”. De facto aquela ilha ainda hoje reivindica para si, quer o título de “capital” açoriana dos asininos, quer o estatuto de possuir uma população de burros, para além de grande, única, invulgar e especial, pois o burro da ilha Graciosa apresenta como característica original: a sua altura reduzida. São burros de pequena estatura mas, segundo rezam as crónicas, nem por isso mais frágeis ou menos fortes do que os das restantes ilhas, mais altos e mais corpulentos.

Curiosamente, o burro, assim como outros animais, nos Açores, sempre teve algumas superstições a si associadas. Antigamente contavam-se algumas “estórias” onde se desenrolavam acontecimentos mirabolantes relacionados com o burro, como, por exemplo, o do seu excremento se transformar, misteriosamente, em oiro. Também se contavam outras “estórias” em que intervinham feiticeiras e onde acontecia precisamente ao contrário, ou seja, eram os cereais ou outros produtos que se tornavam em excrementos de burro. Nalgumas ilhas acreditava-se que posta no alto de um pau, fora da porta de casa, a caveira de um burro afugentava os espíritos maus, enquanto noutras se cuidava que soprando com um canudo de cana no dito cujo de um burro morto, ele ressuscitava. Também era opinião generalizada de que o leite de burra dava muita força, sobretudo às parturientes. Alguns provérbios populares, embora não estritamente açorianos, também lembram estas superstições, como por exemplo: “A burro morto, cevada ao rabo” ou “Vozes de burro não chegam ao céu”. Por isso não era de se estranhar que na Fajã Grande também houvesse este estranho hábito de se identificar o zurrar de um burro como o indicador do meio-dia na ilha Graciosa, enquanto em toda a ilha das Flores era assinalado com cinco badaladas no sino, sendo as três primeiras mais espaçadas e as duas últimas seguidas.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

5 comentários:

Anónimo disse...

Sr. Carlos
Quando pequeno diziam-me que a Graciosa era a ilha dos burros. Com os anos fui percebendo que não era bem assim.
Há burros por todo o lado. Mesmo aqui nas Flores.

Anónimo disse...

Anónimo das 01:05,você tem razão no que disse e até acho que nas Flores há mais burros que na Graciosa,de 4 patas já existem poucos por todo o lado mas de duas cada dia há mais.

Oswaldo Martins Pereira Sobrinho (Maringá - Brasil) disse...

"há burros por todo lado"... eheheh.. o sentido da frase é verdadeiro e também não deixa de ser engraçada. Mas há uma controvérsia: quem tem criação de burros sabe muito bem que eles não tem nada de pouco inteligentes, são muitíssimo mais sabidos que os cavalos e as éguas. Digo isso a respeito do burro ou mula, que é filho/a do cruzamento do jumento com a égua; talvez o texto refira-se ao animal que aqui no Brasil se conhece como jumento.

Anónimo disse...

Grande parte dos burros que temos tem como perfil de vida o anonimato. Vá-se lá saber porquê.

Anónimo disse...

Nota de Limpeza
Acabou de chegar um FAX à minha direção a informar que está a ser feita limpeza de barcos na antiga corretora Lajes . É de louvar quem teve esta iniciativa pois naquela zona só havia barcos iates podres e outros lixos.