quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Possível avanço nas investigações de tratamentos para Machado-Joseph

Uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra conseguiu identificar e bloquear, no ratinho, um dos mecanismos de base responsáveis pela degenerescência cerebral que caracteriza a terrível doença de Machado-Joseph.

A confirmarem-se nos seres humanos, os seus resultados poderiam conduzir ao primeiro tratamento eficaz desta doença genética que é relativamente rara em quase todo o Mundo, mas que afecta uma em cada 4 mil pessoas de ascendência portuguesa na Nova Inglaterra (EUA) e que na ilha das Flores bate todos os recordes, com uma pessoa afectada... em cada 140.

Os apelidos de dois açorianos ficaram unidos para sempre no nome desta doença que atinge o cerebelo - estrutura da parte posterior do cérebro responsável pela coordenação motora, o tónus muscular e o controlo do equilíbrio. Um deles, Guilherme Machado, nascera na ilha de São Miguel e, em finais do século XIX, emigrara para o Massachusetts, onde os filhos fixaram residência e criaram família. O outro, António Jacinto Bastiana, nascera na ilha das Flores em 1815 e emigrara em 1845 para São Francisco, aproveitando uma escala do baleeiro a bordo do qual trabalhava. Adoptou o nome de Antone Joseph e morreu em 1870, não sem antes ter gerado sete filhos. Hoje, na Califórnia vivem cerca de 600 descendentes de Joseph. Em 1972 a doença de Machado-Joseph foi descrita, pela primeira vez, na família Machado e quatro anos mais tarde na família Joseph.

"A doença, também designada por ataxia espinocerebelosa do tipo 3, foi identificada como entidade autónoma pelos investigadores e clínicos Paula Coutinho e Corino de Andrade, que lhe deram o nome das duas primeiras famílias para as quais havia descrições na literatura", disse ao jornal «Público» Luís Pereira de Almeida, o líder da equipa do Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra que acaba de publicar o seu trabalho na revista «Brain».

A doença de Machado-Joseph é progressiva e não tem cura. Deve-se a uma mutação num único gene e basta um dos progenitores ser afectado para os filhos terem uma probabilidade de 50% de ter a doença. Pode surgir tanto na infância como aos 70 anos e apresentar sintomas de gravidade variável. Tipicamente, vai provocando a perda do controlo das extremidades e rigidez muscular, o que faz com que os doentes possam parecer embriagados ou vítimas da doença de Parkinson. Outras manifestações são espasmos musculares, problemas de deglutição, perturbações da visão e descontrolo dos movimentos oculares, perturbações do sono e problemas cognitivos. Quando os doentes morrem novos, é frequente ser devido a infecções pulmonares causadas pela aspiração de alimentos. Uma característica particularmente trágica da doença é que a sua gravidade aumenta ao longo das gerações.

O gene mutado que a causa, descoberto em 1994 no cromossoma humano 14, apresenta a repetição anormalmente elevada de uma pequena sequência de "letras" do ADN, o que dá origem a uma proteína anormal - a ataxina 3 -, que forma depósitos letais dentro do núcleo dos neurónios. Os especialistas já suspeitavam que a proteína mutada, ao fragmentar-se, conduzia à formação dos depósitos anómalos. E agora, a equipa de cientistas de Coimbra conseguiu, ao desvendar o processo de fragmentação, confirmar que esse processo e a degenerescência cerebelar estão, de facto, relacionados.


Notícia: «Público», «Açoriano Oriental» e portal «Boas Notícias».
Saudações florentinas!!

2 comentários:

Fórum ilha das Flores disse...

Adenda informativa através da conclusão da notícia do jornal «Público»: "Cientistas portugueses travaram doença de Machado-Joseph no ratinho".

Mais precisamente, os cientistas mostraram que a ataxina-3 mutante é cortada aos pedaços por uma molécula chamada calpaína. E também que, quando a calpaína é inactivada, os fragmentos neurotóxicos desaparecem e a destruição cerebral é interrompida - o que pode significar a descoberta de uma potencial maneira de travar o processo.

"Mesmo que não consigamos prevenir totalmente a fragmentação da ataxina-3, o facto de ela abrandar poderia ser suficiente para impedir que a doença surgisse durante a vida das pessoas, o que representaria uma incrível vitória sobre esta terrível doença", diz Pereira de Almeida.

Os investigadores quiseram saber se, no ratinho, seria possível impedir que a calpaína fragmentasse a ataxina-3. Para isso, utilizaram uma outra molécula, chamada calpastatina, um inibidor da calpaína naturalmente presente no organismo. E constataram que, efectivamente, a introdução de altos níveis de calpastatina no cérebro dos animais não só permitia reduzir o número de depósitos de ataxina-3 dentro dos neurónios, como também os estragos cerebrais e os sintomas neurológicos característicos da doença de Machado-Joseph.

Se os resultados forem válidos no ser humano, fármacos capazes de bloquear a calpaína poderiam vir, pela primeira vez, permitir travar a doença. Mas Pereira de Almeida é prudente: "Este trabalho é mais uma peça do puzzle... não sabemos ainda o alcance. Temos estado a testar um fármaco [em animais] que parece promissor, mas não está aprovado para uso clínico, pelo que ainda irá demorar, mesmo se tudo correr bem, a chegar à clínica".

Fórum ilha das Flores disse...

Adenda informativa através de notícia do «Açoriano Oriental»: "Investigadores estudam mecanismo de proteína na doença de Machado-Joseph".

Investigadores portugueses identificaram a proteína e o mecanismo com um papel relevante na progressão da doença de Machado-Joseph, causadora de dificuldades de movimento, o que pode ser um passo para encontrar um tratamento.

Luís Pereira de Almeida, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, explicou que se tem tentado perceber o mecanismo da doença e onde se pode tentar intervir para bloquear a sua progressão e desenvolvimento. "Os tratamentos que existem até agora são apenas sintomáticos. Esperamos vir a conseguir obter indicações que permitam levar a uma terapia que bloqueie a doença", salientou.

A doença de Machado-Joseph, que tem uma alta incidência em Portugal, principalmente nos Açores, é uma patologia rara, mas entre as doenças genéticas que causam descoordenação motora é a mais comum, e é causada pela alteração de um gene.

O trabalho dos investigadores visou inibir as calpainas, juntando um vírus, uma estratégia que "envolve uma abordagem muito invasiva para ser usada na clínica", admitiu. No entanto essa solução "é possível e em certas doenças já estão a ser usadas estratégias de injeção de vírus no cérebro dos doentes", segundo o cientista.

Os especialistas estão a estudar inibidores farmacológicos a ser ministrados por via oral, uma estratégia menos agressiva. "Não temos disponível uma terapia que possa ser utilizada nos doentes nos próximos meses, estamos a falar de coisas que podem demorar anos até chegar aos doentes [mas] temos essa esperança", frisou Luís Pereira de Almeida.