quarta-feira, 4 de setembro de 2013

«Brumas e Escarpas» #63

O lugar do Alagoeiro

O lugar do Alagoeiro ficava para além da Fontinha, um pouco longe do povoado, já quase debaixo da Rocha e era o único lugar da Fajã, para além da Ponta e da Cuada, onde havia casas. No início dos anos 1950, porém, morava lá apenas uma família, a do Luís Fraga, embora existissem ali mais uma outra casa de habitação já abandonada e descaída a servir de casa de arrumos, um palheiro e, um pouco mais abaixo, os três edifícios da Cooperativa de Lacticínios da Fajã Grande, onde se fabricava, enlatava e encaixotava a manteiga e que constituíam uma espécie de minúscula zona industrial da freguesia. O Alagoeiro era, no entanto, um lugar de terras muito férteis e produtivas, onde se cultivava o milho, a batata-doce, o trevo, a erva-da-casta e até o alcacel. A sul, o Alagoeiro confrontava com a Bandeja e a Fontecima, a oeste com a Fontinha, a norte com o Mimoio e a leste com a Caravela e a Ribeira e mais além com a Rocha.

O Alagoeiro era, no entanto, uma espécie de lugar mítico, pois era lá que os homens quando regressavam dos campos se sentavam, ao redor de um enorme largo que ali havia, a descansar, a fumar, a falquejar, a conversar, a discutir, a negociar trocas, a partilhar sonhos, a esperar uns pelos outros em amena cavaqueira e até a imaginar e a sonhar com a Califórnia, com “farms” e com dólares. Vinham em bandos do Pocestinho, do Pico Agudo, da Lagoinha, dos Paus Brancos, das Águas, da Silveirinha e até do Mato, enchendo as paredes e marouços circundantes ao largo, com molhos de erva santa, de fetos, de incensos, de lenha ou com cestos a abarrotar de batatas ou de inhames. Era também o sítio onde o gado, no seu cirandar quotidiano palheiro/relvas/palheiro, parava para saciar a sua sede, pois havia ali um enorme poço com uma bica, por onde jorrava dia e noite água muito fresquinha. O Alagoeiro era pois um lugar de encontros e combinações de cruzamento de caminhos, de conciliar de destinos, de tomadas de decisões, de debates, de sonhos, de zangas e discussões e até um lugar onde se faziam negócios. O Alagoeiro era assim uma espécie de “Mileto” da Fajã Grande.

Mas o que mais distinguia o Alagoeiro era o facto de ser lá que ficava uma enorme nascente de água que abastecia toda a freguesia. Fazendo jus ao seu nome, o Alagoeiro era de facto um lugar produtor de água e a abarrotar da mesma. Quando se decidiu que o abastecimento de água à Fajã Grande deveria ser feito, foi lá na fronteira com a Fontecima que se construiu, sobre uma nascente ali existente, um enorme tanque vulgarmente conhecido por “Casa da Água”. Além desta, uma outra nascente ali perto, com uma bica a verter continuamente para um enorme poço, matava a sede às pessoas e animais que por ali passavam diariamente.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

1 comentário:

Anónimo disse...

È muito lindo haver alguem que escreve sobre o passado da vida dificil que se passava nas Flores. Mas é pena que esta juventude não aprecia estes artigos tão importantes. Vejo que um dia os idosos vão partindo e as Flores vai deixar de ter hestoria antiga.
Um Florentino ausente.