domingo, 22 de fevereiro de 2015

«Brumas e Escarpas» #85

Os estaleiros da Fajã Grande

Nos anos cinquenta, a Fajã Grande era terra de produção de muito milho, uma vez que este era praticamente o único cereal cultivado em todos os campos da freguesia e estava na base da alimentação de pessoas e animais. Semeava-se milho em todas as terras de cultivo que rodeavam as casas, quer nas que ficavam junto ao mar quer nas do interior e ainda em muitas outras, junto das relvas ou encravadas entre as terras de mato, algumas já bastante distantes das casas. Houve inclusivamente, em anos anteriores, quem semeasse milho no Mato, substituindo a erva das pastagens pela cultura deste cereal. Era pois enorme a quantidade de milho produzido em toda a freguesia. A sua guarda e arrumo, de maneira que se conservasse e mantivesse em excelente qualidade ao longo do ano, afastado dos ratos e protegido do gorgulho, era um problema que urgia solucionar da forma mais prática e eficiente.

Na Fajã nunca foi costume secar o milho no forno, depois de o apanhar para de seguida o debulhar e, então, guardá-lo em recipiente adequado, dentro de casa. Este costume, vulgar em muitas outras localidades açorianas, na Fajã Grande era praticado muito raramente e apenas quando faltava o milho armazenado do ano anterior e o do ano em curso ainda estava verde e, consequentemente, incapaz de ser moído. Assim a maior parte do milho produzido em toda a freguesia era guardado ao ar livre e com a casca, para o que se construíam os estaleiros, onde se penduravam as maçarocas, presas e amarradas em cambulhões de forma organizada. Os cambulhões eram conjuntos de maçarocas revestidas com a casca, presas umas às outras por uma fita retirada de uma das folhas, devidamente torcidas e amarradas conjuntamente nas extremidades com um fio de espadana.

Na Fajã Grande construíam-se três tipos de estaleiros, cada qual deles no entanto com mais do que uma variante.

Os estaleiros mais pequenos e mais fáceis de construir eram uma espécie de grade, feita com dois, três ou quatro paus de lenha com várias tiras de madeira pregadas. A sua construção era simples. Os paus eram colocados paralelos uns aos outros e equidistantes e de seguida neles se pregavam as ripas ou tiras de madeira - às vezes até eram utilizadas canas, porque eram mais fáceis de obter - formando uma espécie de grade, deixando, no entanto, numa das extremidades um espaço de cerca de um metro livre de tiras, sendo esta a parte que assentava no chão e servia de pés. Estes estaleiros eram encostados às empenas das casas e neles se iam pendurando os cambulhões. Para que os ratos não subissem pelos paus até às maçarocas, em cada um deles, logo abaixo das tiras, era enfiada um pedaço de lata velha, devidamente furada e presa de modo a não cair. Se fosse necessário, podia aumentar-se a capacidade destes estaleiros, juntando-se-lhes conjuntos de dois, três ou mais paus e que eram encostados ao lado dos primeiros.

Uma segunda modalidade era o estaleiro chamado de “pé de cabra”. A sua construção também era simples, mas com maior grau de dificuldade do que os anteriores. Para a sua construção eram precisos quatro paus do mesmo tamanho e taliscas de madeira. Os paus eram amarrados conjuntamente na extremidade mais delgada, sendo depois abertos de forma a afastar as extremidades opostas, simulando uma espécie de pirâmide, em que estas partes serviriam de pés e que seriam enterrados profundamente na terra, de forma ao estaleiro resistir a ventos e temporais. Depois eram pregadas as taliscas de madeira nas diversas faces da pirâmide, a fim de nelas se pendurarem os cambulhões. Para proteger o milho dos ratos utilizava-se uma estratégia igual às dos estaleiros anteriores. Uma variante deste estaleiro era a construção de um igual em tudo, mas apenas com três pés, o que reduzia, significativamente, a capacidade de armazenar o milho.

Finalmente havia um terceiro tipo de estaleiro mais utilizado, com maior capacidade e de mais difícil construção. Era o estaleiro tradicional, constituído por uma estrutura de madeira assente sobre quatro ou seis pegões de cimento, muito lisos e cimentados, para evitar a subida dos ratos. Por sua vez a estrutura de madeira que se encastoava em cima dos pegões tinha a forma do telhado duma casa, mas muito mais inclinada. Um conjunto de barrotes eram ligados a uma trolha pela parte superior e pregadas numa base rectangular. Apenas nas faces laterais eram pregadas as tiras onde se penduravam os cambulhões, sendo que as faces das extremidades ficavam livres para a circulação do ar. No interior do estaleiro e paralelas à trolha superior, geralmente eram pregados barrotes com tiras ou taliscas onde eram pendurados os cambulhões com as maçarocas descascadas, que eram em pequena quantidade, uma vez que resultavam apenas das maçarocas cuja casca era menos resistente ou que menos protegia os grãos. Uma segunda variante deste estaleiro, embora menos utilizada, era diferenciada apenas na estrutura de madeira e na disposição dos pés que eram apenas quatro e dispondo-se sempre em forma de quadrado. A estrutura de madeira que assentava sobre eles tinha a forma de um cubo, aberto na base e na face superior, sendo as ripas pregadas nas quatro faces restantes. Esta variante de estaleiros era de mais simples e fácil construção e julgando-se, por isso mesmo, que representariam um modelo mais ancestral e primitivo do verdadeiro e tradicional estaleiro fajãgrandense.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

6 comentários:

Anónimo disse...

Estaleiros na Fajã Grande? Pois aquilo é só paredes. Onde é que havia na Fajã Grande serrados de milho para encher estaleiros?

Anónimo disse...

não sou da fagã mas este anonimo das 9.55. deve andar com falta de óculos.

Anónimo disse...

ainda vamos ver de novo muitos estaleiros cheios de milho.

Anónimo disse...

é verdade que ainda vamos ver estaleiros cheio de milho a divida de portugal está sempre aumentar e eu bem dizia alguns tempos atrás que esta divida só é paga daqui a 200 anos se não houver outra em cima.

Anónimo disse...

O das 10:38 é dos que se reformou aos 40 anos sem nunca ter feito nada antes, agora passa o tempo a coçar os tomates e a chular esta e aquela instituição, e ainda vem para aqui insultar uns e outros

Anónimo disse...

Falta de óculos? Não deves ter lido o artigo. Este artigo refere-se aos estaleiros de antigamente, e realmente não tenho óculos que veja 50 anos atrás. Mas uma coisa é certa, se havia freguesias que eram conhecidas como celeiro da Ilha, não era a Fajã Grande. O maior cerrado da Fajã Grande era o do velho Lucino e aquilo antes da estrada passar não tinha 5 alqueires de terra, e agora, são 2 belgas que não valem um assobio