quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mestre José Augusto Lopes

No dia 26 de Outubro de 1928 na vila de Santa Cruz das Flores, numa casa pequenina e modesta, nasceu o menino José Augusto Lopes. Os seus pais Cristina e José, viviam com dificuldades, como acontecia com a maioria dos florentinos dessa época, tinham de retirar da terra e do mar, tudo o que necessitavam para a sua subsistência.

Os nossos antepassados são grandes homens e grandes mulheres de quem nos devemos orgulhar de descender. Eles fizeram de vidas longas de suor, de muita fé e coragem, de muito amor à terra e de apertos de mão para selar contratos que a boca dizia em palavras que o vento não levava..., uma forma especial de viver e de morrer em paz.
José Augusto cresceu nessa ilha das Flores, tão diferente da actual. Jogou com bolas de trapo e bexigas de porcos, jogou à macaca e ao botão, mas foi criança durante muito pouco tempo. Mal terminou a escola primária na sua freguesia, começou a dar dias de trabalho para ajudar os pais. Com catorze anos de idade fixou residência na vila das Lajes, onde aos dezanove, casou com Eduina Espínola Lopes. Desse casamento nasceram três rapazes: José Humberto, Victor e Armando.

Durante alguns anos continuou a trabalhar em terra e no mar, mas o seu coração pendia muito mais para o mar. Com apenas quinze anos, já atravessava o canal Flores–Corvo. Com o passar do tempo, e porque era necessário assegurar o seu sustento e da sua família, dedicou-se à baleação e à pesca e trabalhou arduamente nas cargas e descargas de navios, muitas vezes em situação de alto risco. Foi nas Lajes, e nos primeiros anos da década de 1950, que adquiriu a sua primeira embarcação de pesca. Contava, com graça, que, nesse tempo, o mar fervilhava de peixe, mas vendê-lo era muito difícil. Palmilhava as freguesias do concelho e nem por um escudo e vinte, conseguia vender cherne à posta.

Apesar de todas as dificuldades, a emigração nunca o seduziu. Inteligente e sonhador como era, ele tinha a certeza que, fora das Flores, não seria feliz nem conseguiria sonhar com nada. Mestre José Augusto sempre pertenceu a esta ilha. Como o mar, as rochas e as gaivotas. Ele era o prolongamento da própria ilha. E a história desta terra não seria a mesma se ele não tivesse “palmilhado” milhas e milhas de mar, desbravando distâncias, salvando vidas, rompendo, qual Apolo, as fúrias de um mar “em brasa”.

Com a chegada dos franceses à ilha das Flores em 1964, para construírem a sua base militar de telemedidas, mestre José Augusto voltou a fixar residência em Santa Cruz, uma vez que todas as cargas respeitantes à base seriam descarregadas nesse porto. Ganhou muito dinheiro e desenvolveu a sua frota de embarcações tendo criado diversos postos de trabalho que contribuíram para o crescimento económico da ilha ao longo de muitos anos. A apanha de algas foi também uma época de ouro para o seu negócio.

Ao longo da sua vida adquiriu mais de duas dezenas de embarcações. Passou mais tempo no mar do que em terra. Transportou durante dezenas de anos correio, carga, e milhares de passageiros entre as Flores e o Corvo. Nas suas lanchas, passaram as mais altas individualidades da vida portuguesa e açoriana. Arriscou centenas de vezes a sua vida para salvar outras, a caminho do Centro de Saúde das Flores, especialmente no tempo em que não havia médico no Corvo, e a pista de aviação daquela ilha não passava de um sonho. Pelo esforço, coragem, capacidade e riscos por que passou nessas viagens, foi condecorado em 10 de Junho de 1994 pelo Sr. Presidente da República Dr. Mário Soares, com o grau de oficial da ordem de mérito.

Mestre José Augusto, foi um exemplo de trabalho, de coragem e de amor ao próximo, e um exemplo de como vindo do nada se constrói a pulso um pequeno império no mar e em terra, império esse, que os seus filhos aprenderam a gerir e ao qual vão dar continuidade com a sabedoria que o pai lhes ensinou desde meninos.


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Também os seus sete netos aprenderam sentados no seu colo, os segredos e os riscos do mar, e presentemente o Mauro e o Dario emprestam à empresa Maré Ocidental fundada pelo avô Augusto, a sua juventude e competência.

Sempre que vejo o Mauro, ao leme do Santa Iria, recordo o amor, a emoção e o orgulho com que o avô olhava o neto a efectuar com grande perícia as manobras da primeira atracagem dessa embarcação no Porto das Lajes. Nos seus olhos molhados, estava reflectida a imagem do futuro. A certeza da sua continuidade por mais uma geração.
Nesse dia felicitei o Mauro. Também ele, não conseguia disfarçar a emoção. Falou sobre a viagem desde a Espanha até às Flores, e sobre as características do navio. No final da conversa olhou o avô com um imensurável orgulho e afirmou: Como ele, e graças a ele, vou fazer das estradas do nosso mar, a estrada da minha vida.

Eu sempre conheci o mestre José Augusto. Viajei muitas vezes com ele para o Corvo. Pela sua mão amiga e segura, subi e desci dezenas de vezes as escadas dos navios Carvalho Araújo e Ponta Delgada, que ficavam ancorados ao largo da Baía das Lajes. Mas o meu carinho e a minha profunda admiração por ele, nasceram num dia de temporal, em que o mar enfurecido batia nas rochas negras da ilha com tamanha violência, que ninguém ousaria enfrentá-lo. Mas, Mestre José Augusto, recebeu um SOS da ilha do Corvo. Era preciso transportar para o Centro de Saúde das Flores, uma parturiente, que corria risco de vida. Apenas na companhia duma parteira, que passou a maior parte da viagem desmaiada, ele desafiou o mar e conseguiu transporta-la até às Flores. Eu, nessa altura frequentava o Externato da Imaculada Conceição, que funcionava no Convento de São Boaventura, e estava numa aula, que foi interrompida pelo enfermeiro Gabass, então ao serviço da base francesa nas Flores. Ele precisava urgentemente de saber se algum de nós tinha o mesmo grupo sanguíneo dessa senhora do Corvo, que havia perdido muito sangue na viagem e se encontrava em risco de vida. Quis o destino que o meu sangue fosse compatível com o da doente. Na saída do Centro de Saúde, já depois da mãe e do filho estarem fora de perigo, Mestre José Augusto, ainda com as roupas completamente molhadas pelas ondas, correu para mim e deu-me um abraço, que eu vou recordar para sempre. Não trocamos uma única palavra, mas ambos com lágrimas nos olhos sentimos uma felicidade imensa, pelo dever cumprido. Nesse dia percebi a dimensão da sua coragem. Nesse dia percebi que o seu coração era maior do que as ondas que ele havia enfrentado para salvar essas duas vidas. De regresso às aulas, eu transportava dentro de mim muita paz e uma magnifica lição de vida, ensinada por esse homem incrível, e que tem servido ao longo dos anos, para eu olhar com maior atenção para as pessoas que necessitam de ajuda.


Este verdadeiro lobo-do-mar, partiu a 16 de Dezembro de 2006, num dia sem sol e com o mar a soluçar por debaixo da janela do seu quarto. Deixou a sua esposa Lurdes (D. Eduina faleceu em 2002), os seus filhos, netos, noras e restantes familiares e também os seus muitos amigos, com uma saudade imensa.

Os Açores, mas especialmente as Flores e o Corvo, ficaram muito mais pobres com a partida deste homem incrível, que transportava no peito um coração do tamanho do mar e nos lábios um sorriso de menino. Mas, meu querido amigo, eu acredito que continua por aqui, sulcando o nosso mar, amando a nossa ilha, olhando pela sua família e pelos seus muitos amigos, porque quem faz da vida um serviço e um acto de amor; quem faz do existir uma dádiva de afecto, quem se dá aos outros todos os dias, NÃO MORRE.

Recentemente vi e revi imagens recheadas de muita coragem e de alto risco, duma descarga efectuada na ilha do Corvo, pelos seus filhos, netos, e alguns elementos da tripulação do Santa Iria, que já deram a volta ao mundo através da internet.
Os seus ensinamentos estavam bem presentes nessas manobras que as imagens mostram, mas para mim as suas mãos estavam ali a segurar o leme... e a proteger algumas das pessoas que mais ama.


Texto da autoria de Regina Meireles, disponível no sítio da empresa Maré Ocidental.
Saudações florentinas!!

2 comentários:

Anónimo disse...

Depois de mortos são todos ums herois,boas pessoas, uns anjos... emfim, mentalidades!!!
Deve-se valorizar as pessoas e o seu mérito enquanto estão neste mundo!

Anónimo disse...

Grande Homem que merece ser lembrado.