Observações sobre o voluntariado militar com reticências
No meu tempo de tropa, 'ditadura' "tempo de paz em Portugal" em 1955, aquando no quartel em que estava a Bateria de Costa, naquele lugar da Grotinha, nos Arrifes [ilha de São Miguel], com o pico da castanheira, o soldado ganhava um escudo por dia, que nem dava para o sabão de lavar a roupa. Recordo-me de quando enviavam aquelas 'embalagens' de 45 kilos a estrondar por cima de Ponta Delgada, que iam perfurar um alvo, "jangada improvisada" sobre 4 bidões, com vela feita de pontas de tábuas de forro, caiadas de branco e dependuradas em posição perpendicular, num arame que descia da ponta do mastro para cada lado, fingindo uma embarcação a reboco sob o comando dum medroso mas experiente sargento, que carecia de "fraldas" com o medo que tinha quando era enviado para o reboco da jangada; neste caso, fingindo navio de guerra, que se colocava entre as 8 a 12 milhas marítimas do Porto de Ponta Delgada. Neste tempo, o serviço militar era obrigatório. Lá dentro, encontrei-me com centenas de soldados e nunca ouvi um deles dizer que gostava de estar na tropa. No fim de semana, todos queriam ir para casa.
Voltando às "peças", o estrondo dessas manobras, por vezes, partia vidros pela área do Canto da Fontinha e Rua Tavares Resende. Na minha lista, e no quartel a que pertencia, somente conheci um soldado voluntário. Esse soldado, com aspirações militares, não possuía habilidades profissionais na vida civil. Com a idade de 18 anos resolveu procurar refúgio permanente na vida militar e, ao mesmo tempo, dedicar-se à Pátria; servir, lutar e morrer por ela. Este passou a ser o seu emprego permanente, sendo, ao fim dum ano, cabo; onde mais tarde viria a ser sargento, segundo ouvi. O homem teve razão naquilo que fez.
Nesse tempo, pelo menos designados por mim, havia cinco qualidades de empregos de servir o público e de lazer; sendo alguns patrocinados pelo "pai Governo", os quais eram: entrar [como] voluntário para a tropa, seguir a vida [militar] e, conforme o repouso da "tarimba" e apetite aberto p'ró rancho, prestar-se para manejar uma arma preservada com adiposidade; estudar instruções militares; ser obediente e 'bom rapazinho', com muita paciência, sem haver dependentes que requeressem a sua presença para suporte em casa, ficaria por ali e chegaria a qualquer coisa... Ao contrário, se nada desse na tropa, sentir-se-ia grato por ter "servido o rei" saindo mais disciplinado e ainda lhe sobraria tempo para sachar batatas, ou ordenhar vacas ou cabras.
Os outros empregos de "verga ao alto", e pasmados de mosca a poisar nos beiços, eram: trabalhar p'rá Câmara; ser guarda fiscal; taxista, vender cautelas; ou então, polícia "calmeiro", como lhes chamavam. Isto, claro, era no meu tempo. Hoje em dia, leio por aqui, no nosso «Correio dos Açores», e outros jornais, os queixumes de opinião dos meus honrados colegas escribas, que a polícia "trabalha muito" e que até não têm tempo para apanhar o ladrão ou o malfeitor, por se encontrarem a multar carros mal estacionados. Mais proveitoso lhes seria terem ido p'rá tropa e ficar por lá uns tempos. Hoje, ouço dizer que nem é preciso ter sido militar para ser agente da PSP. Vejo erro nisso, porque a tropa é que faz desenvolver o homem...
Actualmente, se não estou em erro, penso que em todos os países democráticos as tropas são voluntárias. Ora bem; quem se oferece voluntariamente para ser militar, tem que assinar um documento, papéis escritos com regulamentos obrigatórios. Enfim, "casar com a pátria" é como o padre que casa com a Igreja, e como o noivo que casa com a noiva. Mas esperem!... Nestes casamentos existem diferenças: o padre, a querer, pode deixar o sacerdócio, porque o Papa não o mete na cadeia. O casal, a não viver feliz, pode separar-se. Mas se o voluntário mudar de ideias, arrepender-se, renegar ou desertar do serviço militar, é considerado desertor, e até vai preso; não há dúvidas!... Conclusão, aqui fica a chave com pitada cómica: se o defunto "marcha" p'rá terra, o soldado marcha p'rá guerra. Ali não há arrependimentos.
Abaixo, encontra-se uma narrativa dum curto episódio do tempo "carmonista" que muita gente conheceu esta curta e humorística estória. A razão de eu a trazer à baila, é apenas uma lição comparativa ao alerta, para nos acautelar da beira do precipício que mais tarde pode causar empurrões...
Diziam que Óscar Carmona (1869-1951) quando visitou os Açores, lembro-me, 1940/42 salvo erro, o cais de uma das ilhas encontrava-se aglomerado de povo até à beira. Desta feita, com o aperto do pessoal, um garoto de 10 anos caiu à água, ao mesmo tempo que cai um homem barrigudo. Com a agonia de se salvarem, aquilo foi um tal bater braços na água, começando toda a gente aos gritos. Já nessa altura da agonia, o barrigudo encontrava-se agarrado ao rapazote, ao mesmo tempo que duas pessoas se atiraram à água, trazendo os dois para o cais. Nesse caos houve muitas palmas para o barrigudo, por se ter agarrado ao rapaz, salvando-lhe a vida.
No cais encontrava-se qualquer pessoa notável que louvou a coragem do barrigudo, prometendo-lhe uma medalha de mérito, dizendo mais ou menos assim: "o senhor cometeu um acto de bravura, salvando este rapazinho, e merece uma medalha"; diz o barrigudo: "ei Sinhô!... p'lamô Dês, ei qué lá medála ninnuma!... ei é c'me agarrei ao rapá pra nã morrê porq ei nã sei nadá, aqueles f... das p...ts é c'me impurrarã pá água, ei nã qué medala ninnuma!".
Nota: este também se voluntariou; pondo-se à beira e empurraram-no. Se p'ra lá não fosse, não caía na água. O mal foi ir p'rá beira do cais. capiche?..., como dizem os italianos.
Denis Correia Almeida
Hamilton, Canadá
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Artigo de opinião publicado (originalmente) no «Correio dos Açores», edição do dia 12 de Março último.