As árduas e desgastantes tarefas da mulher na década de 1950
Na Fajã Grande e muito provavelmente em muitas localidades açorianas, na década de 1950 e nas anteriores, os homens tinham um trabalho árduo, difícil, cansativo e, por vezes, nefasto: cavar e lavrar a terra, acarretar às costas os produtos agrícolas, os dejectos dos animais, ceifar, mondar, limpar palheiros, enfim uma infinidade de tarefas desgastantes. Mas se os homens tinham um trabalho quase a rondar a escravatura, as mulheres não lhes ficavam atrás. É que para além de acompanharem os homens em quase todos os trabalhos agrícolas, ainda tinham que realizar todas as tarefas domésticas e não eram poucas, executando-as, a maioria das vezes, depois de regressar dos campos, enquanto os homens se vinham escarrapachar à Praça em amena cavaqueira, a falquejar, a descansar e, por vezes, a roer na vida de uns e outros.
Uma dessas nefastas tarefas domésticas, talvez a mais cruel e cansativa, atribuída exclusivamente à mulher, era a de lavar a casa. Toda a mulher que se prezasse de ser “escoimada”, deveria lavar a sua casa de uma ponta à outra, pelo menos uma vez por semana, preferencialmente aos sábados, tarefa realizada por ela própria ou por uma filha, caso a tivesse.
Lavar a casa não era tarefa fácil. Primeiro porque tinha que ser feito de joelhos ou melhor de gatas e, em segundo lugar, obrigava a lavadora a um esforço múltiplo, gigantesco e extremamente cansativo: acarretar a água da fonte, esfregar o soalho com uma escova manual, arrastar a celha pesadíssima, espremer o pano, lavar e voltar a espremer e secar. Assim, e uma vez disponível a água, esta era lançada para a “celha de lavar o chão”, feita de madeira e que uma vez cheia de água se tornava ainda mais pesada, sendo muito difícil arrastá-la de um lado para outro. De gatas no chão, com um pano debaixo dos joelhos, lenço de calafate na cabeça, a mulher, depois de molhar o pano na água, encharcava o chão em toda a área onde os seus braços chegavam. De seguida massajava sabão azul nas barbas de piaçaba duma escova com que esfregava o chão, puxando-a para trás e para diante em movimentos convulsivos e rápidos, até a sujidade se despegar por completo. Muitas vezes tinha mesmo que ir com as unhas às manchas de maior e mais rija imundície. Depois limpava tudo com o pano enxaguado, de seguida espremia-o e voltava a passa-lo no chão, a espremê-lo novamente, passando-o no chão para que este secasse mais depressa. Só depois da área inicialmente delineada estar bem lavadinha, voltando a ajoelhar-se, repetia todas estas operações numa área nova e depois noutra e noutra até que cada uma e todas as divisões da casa ficassem bem lavadas. A cozinha, para além de ser a maior, era sempre a mais suja e, consequentemente, a que exigia mais esforços e provocava mais cansaço e fadiga. E se algum borra-botas entrasse em casa após a lavagem, era uma guerra pela certa. E o curioso é que, apesar de tão degradante e cansativa tarefa, a maioria das mulheres cantava durante a sua execução... Talvez lhe anestesiasse, parcialmente, o cansaço. Tarefa árdua, cansativa e degradante! E não é que, para cúmulo, de vez em quando, um ou outro atrevidote, caso uma porta estivesse aberta durante a lavagem, parava, estacava e pasmava a olhar maliciosamente, na tentativa de descobrir uma nesga duma ou outra perna que surgisse mais ousadamente à mostra, devido à posição da mulher que lavava a casa. Alguns tinham boa recompensa pois, se a lavadora se apercebesse de tal descaramento e fosse matreira, levavam com a água da celha, bem sujinha, pelo lombo abaixo.
Mas não ficavam por aqui as tarefas domésticas, extremamente cansativas e quase degradantes, a que a mulher estava submissa. Para além de cuidar dos filhos, impunha-se o amanho das refeições, tarefa naqueles tempos também extremamente cansativa. Primeiro havia que rachar e fender a lenha, acender o lume com garranchos verdes, afoguear, soprar pelo tradicional “canudo” de cana para espevitar o lume, refogar, mexer, fritar e, uma vez por semana, acender o forno, amassar, varrer, padejar... Era ainda à mulher que competia lavar e “coarar” a roupa e passá-la em ferro de brasas, arrumar e varrer toda a casa, tratar dos porcos e das galinhas, levar o leite à máquina, a moenda ao moinho, despejar as “canecas” das retretes, etc, etc.
Se a tudo isto juntarmos a ajuda que lhe era exigida em muitas tarefas agrícolas, como a de semear o milho, sachar, apanhar o trevo, o milho, as couves, o feijão, as batatas e carregar com tudo isto em cestos pesadíssimos, transportados à cabeça sobre uma rodilha, e de que ao serão ainda tinham que cardar, fiar, remendar, coser e até descascar o milho, podemos concluir que de facto a vida das nossas mães e avós, nas primeiras décadas do século passado, foram de autênticas escravas. Talvez por tudo isto, é que aos cinquenta anos de idade elas pareciam envelhecidas... como se tivessem oitenta.
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».