A vista do miradouro do Portal ou um pedaço da natureza desabado do Céu
Fascinante, soberba, bela, maravilhosa, encantadora, sublime, deslumbrante, espectacular! São poucos e muito limitados os adjectivos com que se pode descrever a vista que se observa do miradouro do Portal - um pedaço da natureza desabado do céu.
Este miradouro, um dos muitos existentes na ilha das Flores, situa-se lá bem no alto, no cimo da Rocha dos Bredos, ali mesmo logo a seguir aos Terreiros, no cruzamento da nova estrada do Mosteiro com a do interior da ilha e um pouco à frente da chamada Cruz da Caldeira, sobranceiro à freguesia da Fajãzinha.
A paisagem que dali se pode observar é transcendentemente bela. O grande círculo das Fajãs rodeia-se a leste, embora de forma irregular, por uma alta e imponente rocha, ora fendida por penhascos e quedas de água, ora revestida de um verde com tons diferenciados, a provocar calafrios ou ainda sustentada por inúmeros rochedos a abarrotar de um negrume basáltico. Uma rocha de magma, recheada de verdura e de água, que os séculos foram enrijecendo e transformando num verdadeiro e mítico oásis de beleza, num estranho monumento de imponência e graciosidade. A oeste o mar, azul e anilado, como que a fechar o círculo com os seus salpicos levantados pelo vento e com as suas ondas a desfazerem-se junto aos rochedos lávicos do baixio, a bafejar courelas, serrados, belgas e outeiros. Depois as casas muito branquinhas, entrelaçadas com outras de pedra negra, entre as quais ressaltam as da Cuada e os tradicionais palheiros também negros de portadas abertas, espalhados no meio das relvas ou plantados em cima de “maroiços”, aparentemente atafulhados de silêncio, de abandono e de solidão. São as pequenas povoações da Fajã Grande, Fajãzinha, Ponta e Cuada, formando e constituindo os pequenos povoados por ali dispersos, separadas por ribeiras onde deslizam as águas caídas das encostas e por montes e outeiros revestidos do verde dos incensos, das faias, dos sanguinhos e dos paus-brancos ou por pequenos planaltos, onde proliferam os campos de erva, de mato ou serrados de milho, as courelas de couves e abóboras e as belgas de batata-doce.
Em primeiro plano e logo ali debaixo a Fajãzinha a balancear-se sobre veios e levadas, a evadir-se em água, em verde, em pequenez e sobretudo em silêncio, com as suas casas dispostas ao redor do Rossio, a formar uma espécie de rendilhado, onde se excede a sua monumental e vetusta igreja matriz. A Fajãzinha, um pequeno oásis de singeleza, um recanto de serenidade perene e um manancial de frescura esverdeada. A Ribeira Grande, mais além, encostada à ladeira do Biscoito e a servir de sopé ao enorme planalto onde se alojam as velhas, negras mas agora recuperadas casas da Cuada. Apesar de se aproximar do oceano, o seu caudal ainda corre veloz e galopante, ora se quedando e desaparecendo por entre pedregulhos e fragas, ora formando pequenos lagos encastoados entre o verde das ravinas e o azulado da penedia. Além e junto à rocha, aparando a água que cai com veemência das cascatas de um sem número de grotas e ribeiras, o Poço da Alagoinha, um recanto de beleza inigualável e de sublimidade absoluta. As suas águas, calmas, serenas e tranquilas, reflectem o verde dos andurriais, o negro dos penhascos, o acastanhado dos troncos dos álamos e o colorido das flores da cana roca.
Entre a Rocha e o mar, num planalto encastoado entre a Fajã e a Fajãzinha, a Cuada, um recanto de sublimidade silenciosa e de beleza histórica, actualmente recuperada e modernizada, mantendo, contudo, o negro basáltico das paredes, as vielas calcetadas de pedra já gasta por homens e “corsões”, com a mítica Casa do Espírito Santo, lá ao fundo, no início do caminho que antigamente conduzia à Fajã. Ontem como hoje, a Cuada é aquele recanto de graciosidade e singeleza, aquele paraíso de mistério e sublimação, aquele pântano de simplicidade e mistificação.
Depois é a Fajã, ora entrincheirada, muito tímida e envergonhada entre o Pico da Vigia e o Outeiro, ora a despejar-se arrogante e sem pejo sobre uma enorme planície debruçada sobre o mar, a acalentar o rugido das ondas, os sussurros das montanhas e o soprar do vento norte. A Fajã é um manto verde, branco, amarelado, negro e multicolor a estender-se e a prolongar-se sobre o mar, deixando lá ao fundo, a descoberto, uma ponta negra e firme – o Monchique.
Finalmente a Ponta, aninhada debaixo da Caldeirinha, juntamente com a igreja da Senhora do Carmo, no sopé da rocha, a emanar um silêncio desértico e uma beleza mistificada. Por trás a rocha umas vezes terna e meiga, a proteger, a salvar, a ajudar, a alimentar, outras a atirar-se sem dó nem piedade sobre o povoado destruindo casas, pessoas e colheitas.
A encimar tudo isto um céu ora muito claro ora ofuscado por nevoeiros e caligens, mas a reflectir o azulado do oceano, a serenidade dos vales e planaltos, o verde adocicado dos montes, o sussurro transparente das ribeiras e a simplicidade contagiante das pessoas.
O miradouro do Portal! Uma paisagem de sonho, desenhada sobre uma imponente e desértica singularidade, edificada sobre uma estranha plataforma de magma verde e envolvida por um misterioso manto de silêncio!
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».