sexta-feira, 25 de novembro de 2011

«Brumas e Escarpas» #30

Os fiscais dos isqueiros

Os fiscais dos isqueiros eram, na Fajã Grande e provavelmente em muitas outras localidades da ilha das Flores, depois do diabo e dos navios russos, um dos principais e mais indesejados arquétipos do medo. É que assim como os navios russos, que o mafarrico pelos vistos nunca chegou a aparecer a quem quer que fosse, os fiscais dos isqueiros apareciam de repente, sem ninguém contar com eles, quanto menos se esperava, disfarçados, à paisana e sem se identificarem. Um dedo a raspar na roda de fuzil do isqueiro e, mesmo que este ou por falta de gasolina ou por excesso de vento, não acendesse ou nem sequer faiscasse, era multa certa e sabida. Pagava-se, não se bufava e ficava-se sem o dito cujo.

É que em Portugal, nos anos 1950 e nas décadas anteriores, durante a ditadura salazarista, havia uma lei segundo a qual o porte e uso do isqueiro exigiam uma licença que custava na altura, se bem me lembro, à volta de 10 escudos. Muito dinheiro naquela época! Além disso um gasto injustificável e incompreensível, quando afinal o dinheiro rareava para os bens estritamente necessários. Mas a lei era de tal maneira exigente que a licença, para além de ser tirada e devidamente paga, era como a carta de condução, isto é, devia estar na posse do utilizador do isqueiro sempre e em qualquer lugar em que este se encontrasse ou estivesse a fumar, quer fosse fora da porta de casa, sentado à Praça, no Mato ou a até a dançar a chamarrita em cima do Monchique. Os fiscais, por sua vez, eram tão pérfidos, ferozes e safardanas que, para além de actuarem pela calada, como as raposas quando assaltam os galinheiros, tinham a distinta lata de chegar a pedir lume a uns e a outros, para mais facilmente apanharem quem quer que fosse com a boca na botija. As multas, por sua vez eram pesadíssimas, chegando a rondar os 50 escudos, o que significava rigorosamente quase três alqueires de milho ou outros tantos dias de trabalho.

Nunca se percebeu bem a razão e o fundamento desta inaudita lei, cuja multa era duplicada se o prevaricador fosse funcionário público, cuidando-se, no entanto, que o seu objectivo era proteger a Fosforeira Nacional, produtora das célebres caixinhas de “amorfos”, com as quinas portuguesas ou com meninos de várias raças desenhados no seu frontispício. É que o dinheiro das licenças e 70% das multas revertia a favor daquela empresa que detinha o monopólio da produção das caixas de fósforos, na Fajã Grande designadas por “caixas de mechas”. Os restantes 30% revertiam a favor dos próprios fiscais e dos seus informadores, caso os tivessem. Assim se podia compreender a forma intrigante, opressiva, tirânica e gananciosa de actuar dos fiscais sobre os fumadores dos célebres rolos de “1943” de cor azul e dos “Santa Justa” de cor acastanhada, quando puxavam do isqueiro para os acender.

Na Fajã, no entanto, as receitas para a Fosforeira Nacional não eram muitas, nem os lucros dos fiscais volumosos. É que sendo um lugar pequeno e isolado, a chegada daqueles intrusos meliantes era sempre detectada por alguém, mormente após a primeira actuação e, a partir daí o grito de - “Estão aí os fiscais!” - espalhava-se com uma celeridade impressionante, a tempo dos futuros prevaricadores se prevenirem, geralmente escondendo a “arma do crime” em lugar secreto e bem seguro e que só após a debandada dos “abutres” seria de novo retomada para se acenderem os cigarros, sem multas, com o devido sossego e à vontade.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

6 comentários:

Anónimo disse...

Naquele tempo não havia tanto imposto e tanto roubo organizado.

Salazar ao pé desta quadrilha de Lisboa era um santo homem.

Volta Salazar e prende todos os que venderam Portugal aos estrangeiros e a potências inimigas.

Que vão para a Troika que os pariu, estes politicos corruptos, incompetentes e gatunos!

Anónimo disse...

Carlos..a licença de isqueiros era como a foto indica, de 40$00 e não 10escudos, o que era uma fortuna para aqueles tempos...nicolau florentina

Anónimo disse...

Havia na Fazenda uma "fiscala" de acendedores muito activa.

Anónimo disse...

Isto era um atraso de vida! Hoje em dia encontraram soluções muito mais eficazes e rentáveis... Por exemplo com os veículos, que tem um regime de impostos à importação "especial" (apesar de fazermos parte da CEE), taxas abusivas (~70%) e monopólio sobre os combustíveis, com obrigação de usar o que o governo impõe, mesmo se é dos mais poluentes, assim como uma infinidade de regras, muitas delas absurdas, que permitem ao mesmos "fiscais" (só o nome mudou,agora chamam-se PSP e GNR,"segurança publica" e "guarda nacional" dá um sentimento de protecção)usar das mesmas técnicas pérfidas para angariar fundos com multas igualmente desproporcionadas...Sem falar dos custos da carta de condução e outras obrigações.
Viva o progresso !

Anónimo disse...

Actualmente em Portugal são os jornalistas a fazerem o trabalho das policias e sabem vocês porque?

Porque as policias estão repltetas de incompetentes e não hà meios técnicos para investigar!

Caso concreto, estripador de Lisboa, jornalista do jornal "Sol" enfim, não sei onde vai parar este país!

Ainda bem que segundo a civilização Maia o mundo acaba em 12 de Dezembro de 2012!

Anónimo disse...

acaba sim em 2012 para aqueles que vão morrendo e começa para aqueles que vão nascendo.