«A ilha das Flores», por Filomena Mónica
Descobri a ilha do arquipélago dos Açores sobre a qual Raul Brandão escreveu “uma vasta desolação monótona”.
O arquipélago dos Açores é a única parcela do território nacional onde a natureza e as cidades foram preservadas. Ao longo dos anos, visitei com prazer as suas ilhas: faltava-me uma. Ao descobrir ser o ponto mais ocidental da Europa – não, não é a ilha do Corvo – parti para as Flores. Além da localização geográfica, queria ver as hortênsias, que eu imaginava já estarem em flor, e sobretudo observar os pássaros que só ali existem, como o garajau rosado, o papagaio-do-mar e a galinha-d’água.
Cheguei ao fim de uma tarde luminosa. Antes de subir às montanhas, entrei numa igreja da vila. Os meus olhos ficaram presos a uma menina de ar doce no interior de uma urna de vidro. De mãos postas, com uma capa de veludo roxa, bordada a oiro, tinha a cabeça apoiada numa almofada de renda. A posição, o perfil e os cabelos fizeram-me lembrar a Ophelia pintada por John Everett Millais. Quis saber quem era, mas no Turismo não mo conseguiram dizer. Devia ser "a mãe de Deus", comunicou-me a funcionária, pois fora isso que lhe dissera a sua avó.
Reparei então que, no cimo dos morros, existiam umas colunas altíssimas cujo objectivo me escapava. Um transeunte explicou-me que tinham sido "os franceses", sim, os do hotel onde eu estava alojada, que ali as haviam colocado. Foi então que recordei que, após o trauma de ter sido um parceiro menor durante a II Grande Guerra, Charles de Gaulle pretendera ser independente dos dois blocos – EUA e URSS – para o que congeminara um plano de defesa autónomo. Em 1964, a notícia da autorização dada por Portugal para ali se poderem colocar aqueles "espetos-espiões", bem como a permanência de submarinos em águas portuguesas, foi recebida com agrado nos círculos de Lisboa.
Outra foi a reacção do povo local, apavorado com o que, de início, julgou serem baleias gigantes. Para meu espanto, num local onde há pouquíssimos automóveis, deparei-me com inúmeros sinais de trânsito. Ao subir a montanha, notei as cascatinhas que, nascendo no alto, desembocam no mar. Os regatos são idílicos, mas a charneca, essa "vasta desolação monótona", como a designou Raul Brandão, é agreste. Alem disso, em vez dos pássaros que ambicionava conhecer, só vi coelhos anões. A certa altura, entrei num café, onde estava pendurada uma fotografia de um navio, o ‘Carvalho Araújo’. Na parte debaixo, podia ler-se: "O único meio de comunicação exterior, de mês a mês, desde 1930 a 1956, serviu esta ilha mais de 40 anos". Era o isolamento total. Se ali tivesse nascido – a ilha tem apenas 4 mil habitantes – acabaria por enlouquecer. Para umas férias, a ilha das Flores são uma delícia; para uma vida, não.
Opinião de Maria Filomena Mónica, publicada no «Correio da Manhã».
Saudações florentinas!!
2 comentários:
Olá boa noite,
Quando comecei a ler a notícia que estou a comentar,fi-lo com entusiasmo,sobretudo por veicular uma opinião que vem de quem vem. Ao longo da leitura o meu entusiasmo inicial foi-se desvanecendo e fui-me apercebendo de que, afinal estava em presença de mais uma visita igual a algumas outras que aqui vêm, com a ideia preconcebida de que dois ou três dias chegam e sobram para conhecer o grupo ocidental do Arquipélago dos Açores.É claro que até menos pode chegar,pois há muita maneira de conhecer! E eu até não sei quantos dias a Senhora cá ficou e se não refere tudo o que viu. Mas independentemente do tempo que cá permaneceu e vindo com tantas expectativas,pelo que descreve,ficou-se por muito pouco do muito que temos para oferecer.
Os Garajaus e outras espécies da nossa fauna carecem de algum tempo,paciência e condições para serem observados, mas,paisagem "desoladora monótona e agreste?" Eu costume dizer que devido ao relevo,a cada curva que saímos se nos depara um cenário novo! A Senhora não terá conseguido ver as nossas Lagoas,os nossos Vales profundos de mil verdes,salpicados de rochedos caprichosos, a idílica Lagoa das patas,o Monumento natural da Rocha dos Bordões?
Bem, mas nem tudo foi mau; viu a fotografia do Carvalho Araújo e ficou a saber que,durante as décadas de 30 a 60 do Século XX,ele era o único transporte que uma vez por mês nos servia,quando o estado do mar o permitia,porque, caso contrário,esperava 2/3 dias e se não conseguisse operar ia-se embora e só voltava no mês seguinte. Isto é a insularidade que justificou a Autonomia política-administrativa que hoje temos,embora muito mal compreendida e aceita por muitos compatriotas continentais.
Gostava de ter encontrado esta Senhora na minha Ilha,pois talvez tivesse ido com as suas expectativas menos frustradas. Mas enfim ...
Apenas duas notas ao meu comentário anterior: a primeira é que onde se lê "desepção" devia ler-se "decepção" (sim, sem acordo ortográfico...); a pressa faz destas coisas. A segunda é que andei à procura do artigo da senhora Filomena Mónica sobre as Flores e, pelo caminho encontrei um outro, onde ela fala da União Europeia e diz que a Ilha das Flores "é muito pequenina mas que tem imensas autoestradas e depois tem lá as estrelinhas da UE" (Jornal "I", de 29/08/2015)..... Autoestradas ???? nas Flores ??? Parece-me é que a senhora nunca cá esteve, sequer, e andou a inventar para escrever uma coisa qualquer que preenchesse o artigo no CM, o que explica a aridez, insensatez e falta de tino do mesmo.
Virginia
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