domingo, 21 de fevereiro de 2016

«Brumas e Escarpas» #98

Moinho e moenda

“Moinho parado não cobra moenda.” Mais um interessantíssimo provérbio muito utilizado antigamente na Fajã Grande e com características tipicamente açorianas, nomeadamente da ilha das Flores e mais concretamente da Fajã Grande, onde o moinho na década de 1950 ainda era rei e senhor porque fundamental na limitadíssima economia da mais ocidental freguesia portuguesa. Este adágio, que se aplica na plenitude do seu significado a um quotidiano de trabalho exaustivo, intenso e contínuo do povo da Fajã Grande dos tempos antigos, parece ser a tradução ou adaptação de um outro muito conhecido e também muito comum nas ilhas: Barco parado não ganha frete.

Na Fajã Grande, na verdade, assim como os moinhos ou os barcos, os humanos quase não podiam estar parados a descansar. A vida agrícola a que se dedicavam a tempo inteiro, a que se associava a pecuária, era muito exigente, para além de cansativa, árdua e trabalhosa. Não dava tréguas. Era necessário trabalhar durante todo o dia e muitas vezes prolongar o trabalho pela noite dentro ou iniciá-lo alta madrugada. Parar para descansar ou, ainda pior, por preguiça, era sinal de que os produtos agrícolas teriam menos qualidade ou nem chegariam a crescer, feneceriam por completo, por isso era necessário, contínua e permanentemente, incentivar o povo e fazer apelos a que se trabalhasse. O moinho a girar dia e noite, com as águas das ribeiras era, indubitavelmente, um dos melhores exemplos para acicatar a atividade laboriosa dos habitantes da Fajã Grande, até porque os moinhos de água terão surgido na freguesia, muito provavelmente, desde os primórdios do seu povoamento, fazendo parte do seu património e da sua história.

Recorde-se que, na Fajã Grande, o moinho era a única instalação destinada à pulverização dos grãos de milho, fazendo-o por meio de mós, movidas pela água das ribeiras que corria sem cessar durante todo o ano, inclusive nos meses de Verão. O termo moinho terá a sua origem no latim molinum, vocábulo originado do verbo molo, que significa moer, triturar cereais ou fazer rodar a mó. Sabe-se hoje que o moinho de água é muito antigo e terá surgido, muito provavelmente, no século II d. C. sendo já usado pelos gregos e pelos romanos, que depois o espalharam pela Europa, tendo chegado aos Açores por altura do povoamento, uma vez que as ilhas eram ricas em cereais, na altura o trigo. Serviam, como indica a sua etimologia, para moer os cereais e transformá-los em farinha. É um engenho muito simples e que foi utilizado durante praticamente dois milênios, permanecendo ainda hoje em uso nalguns lugares, embora mais com o sentido museológico do que utilitário.


Os antigos moinhos da Fajã Grande desapareceram. Quase todos estão em ruínas e um foi recuperado mas como casa de turismo. O único moinho recuperado e em atividade está situado a Sul, na fronteira entre a Fajã Grande e a Fajãzinha. Trata-se do chamado moinho da Alagoa, o qual existe há quase século e meio, pois ostenta no frontispício a data de 1869. Detentor de um duplo engenho, o moinho da Alagoa labora através do aproveitamento da força da água da ribeira da Alagoa e na década de 1950 moía para os habitantes da Fajãzinha e para os da Cuada. Hoje mói para toda a ilha das Flores.

Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

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