quarta-feira, 6 de outubro de 2010

«Brumas e Escarpas» #10

O ciclo do milho na Fajã Grande, nos anos 50

Parte II – A preparação dos campos nas terras junto ao mar

A preparação dos terrenos situados entre a beira-mar e as casas, ou seja as terras do Areal, das Furnas e do Porto, para se semear o milho, era efectuada de forma desigual e em tempos diferentes das restantes, ou seja das chamadas “terras do Oitono” e que se situavam entre as casas e as relvas ou até já misturadas com estas e, por conseguinte, mais distantes do mar. Por essa razão aqueles terrenos eram mais quentes e estes últimos mais frios, o que, no que respeita às tarefas do cultivo do milho, obrigava necessariamente a um tratamento e a uma calendarização diferentes.

As terras da zona mais próxima do mar, dada a sua fecundidade, regra geral, produziam vários produtos agrícolas durante todo ano, destacando-se três: couves, milho e batata-doce. A estes porém juntava-se muitos outros produtos: abóboras, bogangos, feijão, cebolas, etc. As couves, que cresciam acompanhadas das abóboras e dos bogangos, antecediam o cultivo do milho enquanto a cultura da batata-doce e as restantes eram simultâneas da daquele cereal.

As couves eram obtidas da plantação da couvinha que desabrochava em canteiros, num ou noutro canto da terra onde as sementes de couve haviam sido semeadas e muito bem adubadas. Os pés de couvinha eram espalhados sobre a terra e plantadas à enxada logo após a apanha do milho e da batata-doce e destinavam-se quase totalmente à alimentação do gado bovino e do suíno, devendo, neste último caso, serem cozidas. Além disso enrijeciam e fortaleciam a terra, pois ao serem cortadas pelo caule afim de serem transportadas em molhos para os palheiros, deixavam no terreno uma raiz muito forte, que, mais tarde, teria que ser arrancada, sacudida e geralmente atirada para cima dos marouços ou então deixada a apodrecer, transformando-se assim numa espécie de estrume vegetal, ajudando a fortalecer o terreno que aguardava o semear do milho. A estes e outros resíduos, porém juntavam-se carros e carros de bois bem cheiinhos de estrume ou de sargaço, que se iam despejando em montículos mais ou menos equidistantes uns dos outros. De seguida, todo este “adubo orgânico” era espalhado equitativamente por toda a terra, com garfos, de forma a cobrir muito bem coberta toda a superfície arável do campo.

Só então se procedia ao lavrar ou “abrir” do terreno, tarefa efectuada com o arado de ferro puxado por uma valente junto de bois ou, para quem não os tinha, uma junta de vacas. Na Fajã havia dois ou três lavradores que tinham junta de bois com as quais “davam dias para fora”, ou seja lavravam os campos de quem necessitava mediante pagamento, tornando-se assim numa espécie de profissionais da lavoura. O arado de ferro, como o nome indica, era em grande parte construído em fero e tinha uma ponta muito bem afiada e uma enorme aiveca lateral, presa ao timão por um gancho que revirava ora para um lado ora para o outro, permitindo assim ao lavrador que a voltasse sempre para o lado do terreno que já estava lavrado. O lavrar dos campos iniciava-se geralmente com três voltas na periferia do terreno, num movimento contrário aos ponteiros de um relógio. De seguida efectuava-se de lés a lés, ao comprido ou ao atravessar do campo, sendo que, no caso de este ser inclinado se efectuar sempre de forma a que o revolver da terra a atirasse para a parte mais alta, permitindo assim ao terreno manter a sua forma e estrutura iniciais.

A etapa seguinte era a de gradar. O objectivo era desfazer as leivas e os torrões, tarefa efectuada com uma grade de madeira, com os picos de ferro voltados para baixo, e em cima da qual geralmente se colocavam algumas pedras bem pesadas. Por vezes, para fazer mais peso, era permitido às crianças, para seu gáudio, sentarem-se em cima da grade. Outras vezes era o próprio homem que a segurava com uma corda, que a guiava e que conduzia os animais que se colocava de pé em cima dela, substituindo ou aumentando o peso das pedras. De seguida efectuava-se um novo gradeamento, com a grade ao contrário, ou seja com os ferros voltados para cima, sendo que desta feita apenas só pedras lá se colocavam. O objectivo, desta feita, era alisar a terra, a qual, algum tempo depois, era “atalhada” com o arado de pau e novamente gradada, com a grade de costas.
Só então o terreno estava pronto para se semear o milho.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

10 comentários:

Anónimo disse...

Sempre detestei o trabalho das terras.

Anónimo disse...

por detestares o trabalho da terra deverias ser obrigado a trabalhar do nascer do sol até ele se por ficavas logo a gostar da terra e dar-lhe o seu devido valor.

MILHAFRE disse...

O anónimo das 02:12 não gosta dos trabalhos da terra mas gosta de comer.

Já não está longe o tempo que todas muitas alfaias enfurrejadas vão sair para os campos pois a vida está difícil e a torneira dos euros e da «comida da loja» vai acabar.

Arados de pau e de ferro; caliveiras, arrastadeiras, sachos, alviões, foicinhos e juntas de bois vão regressar aos campos das Flores.

Esse «cadete» de lá de cima vai ter que levantar-se cedinho e deitar-se com as galinhas se quizer comer uma côdea de pão com um charro assado ou com uma lambuzadela de manteiga.

Os tempos não estão para brincadeiras!

Anónimo disse...

é verdade pardal os tempos estão dificeis e a terra é que nos dá alguma coisa. o meu filho também não estava habituado á terra mas eu este ano nas férias grandes como se dizia no meu tempo de escola dei-lhe um treno a semear milho batatas brancas doces e a sachar milho, ele ás vezes dizia-me que cria férias e eu lhe respondia teu avô nas ferias grandes dizia a teu pai que as ferias eram para trabalhar que bastava de ferias os entervalos das aulas.

Anónimo disse...

Se as nossas terras sustentaram os nossos antepassados, também nos hão-de sustentar a nós.
Sempre deram milho, trigo, favas, feijão, batatas e hortaliças.
Nos nossos pastos sempre se criaram vacas, que garantiam abundancia de leite, carne, queijo e manteiga.
A maior parte daquilo que deitamos hoje no lixo, era reciclado de forma inteligente, criando-se porcos, patos e galinhas.
O nosso mar é rico em peixe, de muita variedade e sabor e as nossas costas tem marisco.

A crise, meus amigos, é termos falta de vontade de trabalhar.

Anónimo disse...

A nossa riqueza, é a nossa esperança e a nossa vontade de trabalhar.
A nossa pobreza é o nosso desanimo e a nossa mão estendida para o dinheiro fácil.

Era porventura fácil criar 15 filhos há sessenta ou mais anos trás?
Pois os nossos antepassados faziam-no com satisfação na graça de Deus.

Anónimo disse...

Há 60 ou mais anos a trás os nossos antepassados o que mais sabiam fazer eram filhos, mas eram postos no Mundo ao Deus dará,e de crise não há aínda nada pois basta ver alguns ordenados,os que mais falam eram os que menos faziam,Santa paciência Meu Deus.

Anónimo disse...

Primeiro. Tinham 15 filhos porque sabiam faze-los. Se calhar era por isso que as mulheres não os deixavam.
Segundo. Trabalhavam que se matavam para os criar. Se calhar era por isso que não tinham tempo para se drogar.
Terceiro. Viviam todos felizes, como hoje não se é. Se calhar era porque sabiam valorizar o pouco que tinham

Anónimo disse...

Pois é nesses anos as santas a mulheres faziam tudo porque era tudo "a vontade de Deus". Quem menos sabe mais obedece.

Anónimo disse...

isso era no tempo que amarravam os cães com linguiça e os pobres bichos não tinham ideias de a comer.