A Montanha
Uns quantos metros acima da linha do mar, Carlos encontrou outra paixão: a montanha. “Tinha cerca de 13 ou 14 anos quando chegou um grupo de suíços para explorar a ilha, pessoas que ainda hoje nos visitam. O meu pai, que tinha uma residencial, acolhia-os, e nós transportávamo-los numa carrinha de caixa aberta e deixávamo-los na entrada do trilho – era aí que começava o meu papel. O meu pai pedia-me para os guiar, pois os trilhos não tinham sinalização, e era assim que passava as minhas férias do Verão. Guiava turistas de um lado para o outro e, nas folgas, ia para o mar. Foi assim que nasceu a paixão pela montanha, tendo já subido o Island Peak e o Kilimanjaro, entre outras. Mais tarde surgiu a oportunidade, com o João Garcia, de ir aos Himalaias e, daí em diante, a minha paixão fortaleceu-se mais ainda”.
Mas, para quem vive todos os dias ao nível do mar, nem sempre é fácil a adaptação à montanha. No Island Peak (Imja Tse), cujo topo rodeia os 6.200 metros, “enquanto vários amigos que foram na mesma expedição se aclimataram facilmente, já eu tive alguma dificuldade, tendo demorado um ou dois dias a mais do que eles. Porém, depois de estar aclimatado, talvez devido à prática de mergulho livre, recuperava o fôlego muito mais facilmente do que eles, pois a pulsação baixava mais rapidamente. A primeira vez que atingi os 5 mil metros foi doloroso e passei uma semana com dores de cabeça, mas hoje já consigo reconhecer os erros que cometi na altura. Agora faço a aclimatação sem problemas”. Foi nesta expedição, em 2005, nos Himalaias, com o João Garcia, que Carlos conseguiu um feito único para os açorianos: colocou uma bandeira dos Açores mais alta do que nunca, precisamente nos 6.200 metros.
Para além do mergulho e da montanha, Carlos confessa que é um desportista universal. “Pratico tudo o que me provoca adrenalina e que me permita desfrutar da natureza, sem a estragar. O canyoning é um exemplo disso mesmo. Adoro descer as ribeiras e, pelo que eu vejo e muitas pessoas me dizem, a ilha das Flores deve ser um dos melhores sítios da Europa para a prática deste desporto. Tem um potencial enorme e é pouco explorado. A costa da ilha é fantástica. Vemos debaixo de água relevos idênticos ao que a ilha tem por cima, ou seja, são bastante acidentados. À superfície, a ilha muda de quilómetro para quilómetro, mas debaixo de água, as mudanças ocorrem de 10 em 10 metros. Com um ginásio natural destes, eu consigo preparar-me para qualquer coisa”.
A determinada altura perguntamo-nos: será que não existe nenhum desporto em que Carlos seja menos bem sucedido? A sua resposta é quase automática e vem acompanhada de uma gargalhada: “Parapente! Esse desporto joga com uma força natural que é o vento, e eu não o consigo dominar. Talvez pela ilha em si, pelos ventos cruzados, pelos vales da ilha, pela quantidade de vegetação e pela deslocação de massas de ar térmicas. Uma vez, decidi voar com um amigo meu mais experiente. Ele preparou a sua asa, levantou voo e eu achei que era uma coisa fácil. Quando me preparei para levantar, não reparei que o vento tinha aumentado e que estava no seio de uma ascendente muito rápida. Sem me aperceber do perigo, preparei a asa e, assim que faço um pequeno gesto para esta levantar, o vento insuflou a asa e subi uns 200 metros sem ter que fazer coisa alguma — parecia-me que estava tudo bem. Mas, entretanto, o meu amigo aterrou e começou a tentar dar-me algumas indicações para eu aterrar. Eu tentava seguir as indicações, mas, assim que estava quase a aterrar e a tocar com os pés no chão, voltava a levantar voo de novo. Ele estava mais preocupado do que eu e não parava de me dar instruções, mas com a força do vento eu não ouvia absolutamente nada. Passada meia hora com várias tentativas falhadas para aterrar, resolvi tentar puxar as últimas duas linhas da ponta da asa (manobra de emergência). Ao fazer isso, corria o risco de ter uma queda abrupta, mas como estava tanto vento eu pensei que não ia correr esse risco. Assim, puxei essas cordas com tanta força que até me cortaram os dedos... mas nunca as larguei até sentir os pés tocarem no chão. Ingenuamente, passei a achar que era fácil aterrar, pelo que levantei voo outra vez. Porém, quando puxo outra vez as duas cordas para aterrar, e já muito perto do chão, um vento traseiro fez com que eu fosse a bater com o rabo numa série de plantas, até que fiquei instalado num enorme campo de silvas. Levei mais de 3 horas para sair dali, já era de noite e o parapente acabou por ficar lá. E foi assim a minha primeira aventura de parapente”.
Mas as histórias vividas por este intrépido jovem não se ficam por aqui e davam direito a escrever um livro de aventuras de fazer inveja a qualquer Indiana Jones. Aqui fica mais uma digna de nota. “Aos 15 anos, com um grupo de escuteiros, resolvemos subir a montanha do Pico. Assistimos a um pôr do Sol fantástico e tudo correu bem. A madrugada é que foi agitada. Um amigo meu, a meio da noite, diz: Carlos estou com uma grande dor de barriga. Não havia ali nada que pudéssemos fazer. Eram 5 da manhã, estava um vento fortíssimo lá fora, e estava quase a chover. Estávamos na cratera do Pico, recolhidos numas grutas vulcânicas com uns 10 metros de profundidade, mas pouco mais de um metro de altura, e tínhamos de rastejar por cima de muitos companheiros para conseguir chegar à rua. Mas a dor dele era tão forte que tivemos mesmo de sair para o exterior. Então, viemos por ali a baixo, a descer a montanha do Pico ‘às cambalhotas e trambolhões’, no meio da chuva, do vento e do nevoeiro serrado, apenas com uma pequena lanterna na mão. Para complicar a situação um pouco mais, na altura não havia marcos de sinalização, apenas umas pedras aqui e ali para indicar o caminho. Apesar de tudo, conseguimos descer e, finalmente, encontrámos a carrinha da Polícia, (hoje em dia existe uma casa de guarda) que estava ali para o caso de acontecer alguma coisa com as pessoas que sobem ao Pico. Levaram-nos ao hospital e descobrimos que o meu amigo tinha uma apendicite “, relembra Carlos.
Como bom aventureiro que Carlos é, seja qual for a parte do Mundo em que se encontre, a adrenalina acompanha-o sempre, como nos conta através de mais uma das suas histórias emocionantes. “Há uns anos fiz uma viagem à Patagónia. Quando cheguei a Buenos Aires, no meio de uma revolução, a primeira coisa que vejo é um cartaz enorme com letras vermelhas a dizer: ‘NO TAXI - peligro de secuestro’ (Não apanhar Táxi - perigo de sequestro). Perante isto, pensei: se calhar o melhor é apanhar um avião e regressar a casa. Mas, achei que não tinha nada a perder, pois não levava nada de valor comigo. Felizmente, não aconteceu nada e consegui desfrutar, embora houvesse manifestações por todo o lado. Após ter visitado a cidade de Buenos Aires, prossegui em direção a Sul, para a Patagónia. Comecei pelo litoral para ver as baleias, depois entrei nas zonas mais montanhosas e, quando cheguei à Terra do Fogo, quis logo agarrar num caiaque e fazer uma travessia. Foi uma viagem que jamais esquecerei, vivi-a intensamente e é um dos sítios mais bonitos do mundo, tal como a Nova Zelândia. Na Patagónia tive a oportunidade de fazer um voo de avioneta, durante 90 minutos, sobre os Andes. Fui filmando e fotografando lagos de várias cores, as montanhas - Cornos del Paine, Fitzroy, Cerro Torre e os fantásticos glaciares (Perito Moreno, Grey e Viedma). Também gostei muito do voo que liga Katmandu a Lukla, mas nada como esta experiência na Patagónia”.
Parte 2 de 3 da entrevista realizada por Magali Tarouca e publicada na revista de aventura «OutDoor» na sua edição do mês de Janeiro.
Saudações florentinas!!