A antiga Ermida de São José da Fajã Grande
Benzida em 4 de Maio de 1757, a primitiva ermida de São José da Fajã Grande terá muito provavelmente sido construída no início da década de 50 do século XVIII, ou seja, cerca de duzentos anos depois dos primeiros povoadores terem ocupado e iniciado o povoamento do actual território da Fajã Grande e um século depois de ser estruturado como povoado, tornando-se, provavelmente, num dos lugares mais prósperos da zona oeste da ilha das Flores. Essa foi talvez a razão por que em 1676, por provisão do bispo de Angra, D. Frei Lourenço de Castro, o lugar da Fajã Grande foi desanexado da paróquia das Lajes, à qual pertencia, apesar da grande distância e maus caminhos, sendo, então, integrado na paróquia de Nossa Senhora dos Remédios das Fajãs, criada nessa altura, com sede na igreja daquela localidade, mas com jurisdição que abrangia toda a costa oeste da ilha, desde a Ponta da Fajã até ao Mosteiro, englobando assim os lugares de Ponta, Fajã Grande, Caldeira e Mosteiro.
A hipótese de ter havido uma outra ermida antes desta é bastante improvável, pois sabe-se que antes da construção desta capela era costume os fiéis da Fajã irem à missa à Fajãzinha e quando o não podiam fazer, impedidos de passar o torrentoso caudal da Ribeira Grande, ficavam no alto da Eira da Cuada, donde viam a igreja da Fajãzinha e ouviam os sinos durante toda a missa, como que se estivessem presentes em espírito no próprio templo. Ainda hoje existe nesse local um enorme calhau, conhecido como a “Pedra da Missa”, precisamente no sítio onde os fiéis se reuniam e rezavam, enquanto lá longe viam a igreja onde se celebrava a missa. Por outro lado, o caminho que liga a Assomada à ladeira do Biscoito, sempre se chamou “Caminho da Missa”, por nele transitarem os fiéis quando iam à missa à Fajãzinha, por não a haver na Fajã. Acredita-se inclusivamente, que no regresso viriam carregados com pedras para a construção da sua futura ermida.
Assim a primeira capela ou ermida existente na Fajã Grande terá sido esta, naturalmente construída em pedra e coberta de colmo como eram as casas da Fajã nessa altura. Nas Courelas existe uma casa velha, ao lado do antigo palheiro de António Joaquim, que tem inscrições religiosas, abreviadas e em latim, nas vergas de duas portas e a data de 1757. Acredita-se que estas vergas teriam pertencido às portas desta ermida. Numa das inscrições pode ler-se “INRI”, que são as letras iniciais das seguintes palavras latinas “Iesus Nazarenus, Rex Iudeorum”, que quer dizer “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus” e na outra inscrição pode ler-se “IHS”, símbolo de Jesus Cristo presente na hóstia consagrada. A terem pertencido à ermida, fica demonstrado que esta era inevitavelmente construída em pedra.
O primeiro padre nomeado como administrador desta ermida, sem no entanto ser pároco pois a Fajã Grande ainda não era paróquia, foi o padre Francisco de Freitas Henriques, natural da Fajã, filho do capitão Gaspar Henriques e sua mulher Francisca Rodrigues e irmão do capitão Freitas Henriques, que, mais tarde, se tornou uma espécie de “senhor feudal” da Fajã Grande. Crê-se que este casal e os próprios filhos viveriam numa casa apalaçada, que ainda hoje existe, do lado norte da igreja e que estaria inclusivamente ligada à ermida através de uma ponte.
Também é provável que a imagem de São José exposta aos fiéis na igreja da Fajã, até aos anos 50 do século passado, fosse a mesma que existiu nesta primitiva ermida. Essa imagem, bastante antiga e com notável interesse histórico, apesar de muito cobiçada por colecionadores de arte religiosa, resistiu a todas as tentativas de retirá-la da Fajã e ainda hoje se encontra guardada na sacristia da actual igreja. A outra imagem existente na capela primitiva era a de São Miguel Arcanjo. Porém, esta, nos anos 50 e anteriores, não estava exposta aos fiéis, mas sim escondida numas arrecadações que existiam atrás do altar-mor, a que se relacionavam alguns medos e temores, pois o arcanjo tinha na mão uma balança com que havia de pesar o bem e o mal dos que iam morrendo, condenando-os ou salvando-os. Esta mítica imagem inspirou o poeta fajãgrandense Pedro da Silveira a dedicar-lhe um poema. No entanto, nunca se percebeu a razão por que o São Miguel, assim como a Senhora da Soledade não estavam na igreja à veneração dos fiéis.
Sabe-se também que o primeiro enterro realizado na Fajã e no interior da ermida, como era costume na altura, se realizou um ano após a sua inauguração, sendo a primeira pessoa ali sepultada Isabel de Freitas, de 22 anos, casada com Gervásio Rodrigues, naturais e residentes no lugar da Ponta e que haviam casado na igreja da Fajãzinha em 10 de Julho de 1752.
Ainda hoje por decifrar é o facto de se chamar ao local onde se construiu esta ermida e, mais tarde, a igreja actual, o “serrado do Lincate”. Não parece que “Lincate” fosse nome de um lugar, pelo que seria sim nome ou antes o apelido do dono do terreno onde se construiu a ermida, embora fosse mais lógico citar-se o seu nome completo de um benemérito do que o seu apelido. Daí que continue a ser um pormenor ainda hoje indecifrável.
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».