domingo, 6 de outubro de 2013

«Brumas e Escarpas» #64

O lugar de Vale do Linho e o ancestral possível cultivo do mesmo na Fajã Grande

Há quem diga que há muitos, muitos anos se cultivou o linho na Fajã Grande. É muito provável que tal tenha acontecido, mas na década de 1950 tal já não verificava. A provar o cultivo do linho na Fajã Grande, a constatação do topónimo “Vale do Linho”, ou seja, o nome de um lugar ainda hoje existente, situado entre os lugares da Ponta e da Fajã, mais precisamente a seguir à Ribeira das Casas, entre as Covas e o Rolo, sendo nos anos 1950 um local de terras de milho muito férteis e de relvas verdejantes. Ali também terá existido outrora um fortim ou castelo, onde a guarda marítima se aquartelava a fim de evitar as fugas clandestinas de muitos homens e rapazes nas baleeiras americanas para os Estados Unidos, atirando a torto e a direito sobre os que tentavam escapulir das fracas condições de vida que proliferavam pela freguesia e pela ilha. Há relatos de que muitos fugitivos se atiravam ao mar para se esquivarem às balas assassinas, conseguindo alguns atingir e embarcar nas baleeiras que os haviam de transportar ao Eldorado. Voltando ao lugar do Vale do Linho, ele é, incontestavelmente, um dos interessantíssimos topónimos da Fajã que designa um lugar, situado precisamente num dos lugares mais belos da freguesia, ou seja, na fronteira entre o lugar da Ponta e o lugar da Fajã. Talvez por essa razão as duríssimas batalhas de pedradas entre a garotada da Ponta e da Fajã, que ali se efectuaram noutros tempos, claro.

Uma segunda prova de que se cultivou o linho na Fajã Grande reside no facto de em muitas memórias, nos anos 1950, ainda ser presente embora de forma rudimentar o ciclo do linho. Segundo os mais velhos, e ao contrário da lã que era retirada dos animais por altura do fio, o linho, assim como o trigo, a cevada e outros cereais, era semeado nos campos. Depois de semeado e mal tivesse nascido, nunca a terra podia secar para que o linho se desenvolvesse, obrigando o cultivador a um serviço de rega constante. Essa terá sido a principal dificuldade em manter esta cultura. O linho tinha que ser mondado como o milho, serviço moroso e delicado, exigindo cuidados especiais para que ao tirar-lhe as ervas daninhas não fosse pisado ou arrancado. Quando maduro era tirado da terra e atado em molhos para ser conduzido à eira. Aí era ripado em instrumentos próprios, onde lhe tiravam as cabeças, em que se alojavam as sementes que depois serviriam para fazer novas sementeiras e também para aplicação medicinal, pois dessas sementes faziam-se as tais papas de linhaça que aplicavam no tratamento de certas doenças.

Depois de separado da semente, o linho era novamente atado em molhos e lançado à água nos poços das ribeiras e nos regatos das lagoas, para apodrecimento da casca exterior. Ao fim de três semanas de molho, o linho era retirado da água e posto a secar até ficar com uma cor esbranquiçada. Depois era novamente conduzido à eira, onde se procedia à maçagem, para libertar os fios internos da casca exterior à força de pancadas com uma maça.

Depois de maçado, o linho era tascado e sedado em instrumentos apropriados, a fim de separar o linho da estopa, trabalho feito normalmente pelas mulheres, durante o Inverno, em dias de soalheiro. Do linho propriamente dito, faziam-se as estrigas, fiadas depois no fuso que mãos hábeis manobravam, durante os serões nas noites de Inverno, formando assim as maçarocas. Nos fusos fiava-se também a estopa, tarefa mais difícil, por ser fibra mais grosseira. Acabada a fiação, procedia-se ao arranjo das meadas com o auxílio do sarilho, onde se enrolavam os fios das maçarocas, à medida que ele rodava, procedimentos em tudo muito semelhantes aos da lã.

Terminada esta tarefa, estendiam-se as meadas ao Sol a corar mas de maneira a não ficarem queimadas. Por isso, exigia-se a presença permanente de uma pessoa para as molhar de vez em quando. Mais tarde metiam-se as meadas numa barrela e, de seguida, eram lavadas e estendidas novamente a corar, até ficarem muito brancas. Depois iam à dobadoira, para serem transformadas em novelos para os teares. Nestes e graças às habilidosas mãos das tecedeiras, os fios cruzavam-se sucessivamente até se transformarem numa peça de pano que havia de voltar à barrela para o libertar de qualquer mácula que tivesse apanhado durante a tecelagem e, por fim, lavado na ribeira. Só depois da execução de todos estes trabalhos, é que o tecido de linho ficava pronto para a confecção de lençóis e toalhas bem como de roupas para a igreja.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

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