quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

«Brumas e Escarpas» #67

O lugar da Escada-Mar

A Escada-Mar era um dos lugares mais belos e mais airosos de todos os lugares da Fajã Grande. Situava-se num enorme planalto sobranceiro à Silveirinha e tinha como fronteiras, a sul a Alagoinha de Baixo e os Paus Brancos, a oeste o Pocestinho, a norte a Silveirinha e a leste o Cabeço da Rocha e a própria Rocha. Aliás era esta proximidade da Rocha, pela qual a Escada-Mar era como que protegida, que conferia àquele lugar uma maior graciosidade, uma inexaurível beleza e uma invulgar singularidade. Por um lado beneficiava da proximidade da Rocha, precisamente no local onde esta atingia a sua maior altitude e no sítio em que estava cada vez mais atafulhada de verde, de tufos e de regatos, junto de quem a Escada-Mar parecia aninhar-se. Além disso a sua situação altaneira, o descampado de que estava aureolada e o perfume que emanava das ervas e plantas que cobriam o seu chão, tornavam a Escada-Mar um lugar ímpar e extraordinário.

Segundo algumas pessoas de idade mais avançada e também de acordo com alguns registos de propriedades situadas naquele local e que se encontravam inscritas no Registo Predial de Santa Cruz das Flores, o verdadeiro nome deste invulgar e original lugar, noutros tempos, seria o de “Escada do Amaro”, verificando-se assim uma evolução fonética provocada pela forma de falar do povo fajãgrandense, pautada fundamentalmente por critérios de facilitismo e simplicidade. Quem seria este Amaro que deu nome à Escada-Mar? Será de todo impossível sabê-lo. Com certeza que seria algum habitante da Fajã que por ali tivesse uma ou mais propriedades. Porquê “escada”? Poder-se-ão encontrar duas razões para explicar a presença da palavra “escada” neste topónimo. Uma delas, talvez a mais evidente e razoável, seria a seguinte: como o local ficava num planalto sobranceiro à Silveirinha, era preciso subir para lá chegar. Nos anos 1950, a Silveirinha ligava-se ao planalto da Escada-Mar por uma ladeira que fazia parte do velho caminho entre a Fontinha e os Lavadouros. Mas antes da construção deste caminho e, consequentemente, antes da tal ladeira existir, possivelmente o acesso àquele local poderia ser feito por uma escada ou por degraus de pedra, que muito provavelmente se situariam numa propriedade de um tal Amaro. Esta poderá ser a explicação mais plausível, mas não única. Existe uma outra explicação, embora menos provável: poderia também um certo Amaro ter levado para ali uma escada para usar em qualquer uma das suas actividades, como por exemplo na apanha de fruta ou outra. No entanto a justificação anterior parece mais lógica, plausível e provável.

A Escada-Mar ou Escada do Amaro apesar de ser um local de grande beleza e de excessiva agradabilidade, era, no entanto, uma zona de terrenos pouco férteis e bastante pobres, uma vez que ficava situado numa zona de transição entre os férteis terrenos de cultivo da Silveirinha e as terras das árvores frondosas do Pocestinho e do Pico Agudo e ainda entre as viçosas relvas da Alagoinha. Era pois uma espécie de zona neutra (nem de cultivo, nem de mato, nem de relvas) e, por isso mesmo, por ali havia apenas algumas relvas de erva pouco viçosa e uma ou outra terra de cultivo de fraca produtividade. Além disso e, como ficava perto da Rocha, os terrenos por ali existentes estavam crivados de pedras e calhaus os quais, muito provavelmente, em tempos idos, se haviam despegado daquele alcantil e caído ali. Mas na década de 1950, não se podia considerar a Escada-Mar uma lugar de risco, uma vez que a Rocha já estava bastante calcificada e enrijecida.

Na Escada-Mar, um pouco antes do sítio onde o caminho se bifurcava com uma saída para o Pocestinho, havia um enorme descansadouro, talvez o maior da freguesia e que servia para que descansassem os homens que vinham carregados do Pocestinho e de todos os lugares contíguos ao caminho que dava para os Lavadouros.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

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