domingo, 8 de fevereiro de 2015

«Brumas e Escarpas» #84

Capachos de casca de milho

Devidamente trabalhados e esteticamente perfeitos, os capachos elaborados com casca de milho, na Fajã Grande eram de muita utilidade. Os capachos mais novos e confeccionados com maior cuidado reservavam-se, com requinte e orgulho, para a porta da sala, onde apenas as visitas mais importantes limpavam os sapatos. Os mais toscos e já demasiadamente usados eram colocados na porta ou portas da cozinha, por onde diariamente passavam muitos pés sujos, algumas botas enlameadas e um ou outro sapato de pele de cabra cheio de esterco. Uns e outros, porém, constituíam os únicos meios de atapetar as entradas de acesso às moradias, impedindo assim, num caso e noutro, que o soalho da casa, esfregado com escova e sabão de uma ponta à outra, apenas uma vez por semana, se conservasse o mais limpo e asseado possível.

De fabrico caseiro e pessoal, a elaboração destes capachos passava por uma fase inicial, que consistia em escolher cuidadosamente as cascas de milho mais perfeitas e adequadas. Não eram utilizadas as exteriores e das interiores era imperioso escolher as mais duras e com maior resistência, as quais eram, de seguida, divididas em lâminas com cerca de meia polegada cada uma. Depois era necessário e imperioso ter a arte e o engenho para entrelaçá-las umas nas outras e fazer uma enorme trança, semelhante à dos cabelos das meninas, mas em que as pontas e as extremidades mais ásperas das cascas ficassem todas para o mesmo lado. Uma vez terminada a trança com o comprimento desejado e necessário ao tamanho do capacho, calculado por estimativa, a trança era cosida do interior para exterior, geralmente com fios de espadana. Seleccionados uns bons centímetros de uma das pontas da trança, ia-se enrolando, apertando, prensando, cosendo e recosendo à volta desta e do chumaço que aos poucos se ia formando o resto da trança, de maneira a que o capacho ficasse com uma forma quase oval. A face que continha as pontas e os rabos das cascas era a mais áspera e que ficava voltada para cima, a fim de que nela rastejassem pés e calçado, enquanto a outra mais lisa e direita constituía a parte que assentava sobre o soalho.

Os capachos de casca de milho eram uma obra-prima que o tempo, as novas técnicas de fabrico e os materiais modernos foram apagando. Hoje são uma espécie de mito que apenas perdura na memória dos mais antigos.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado senhor Carlos por fazer recordar esses tempo antigos.
Cumprimentos.