«Brumas e Escarpas» #13
O ciclo do milho na Fajã Grande, nos anos 50
Parte V – Sachar, desbastar, mondar e correr
Uma vez semeado, não tardava muito e era um regalo ver o milho a crescer, a crescer, muito verdinho e espevitado. Em Abril, Maio ou Junho começava a primeira das várias e pesadas tarefas que a produção do milho exigia - sachar. Quando o milho ainda estava miudinho mas já muito bem-nascido, por vezes debaixo de um calor tórrido, homens mulheres e crianças dirigiam-se para as terras descalços, chapéu na cabeça e sacho às costas. Sachavam e mondavam todos os campos onde havia milho, de lés a lés, retirando as ervas daninhas e as mondas para que o milho crescesse melhor e dispusesse de toda a riqueza e força do terreno. Antes porém um ou dois homens mais experientes iam à frente com o intuito de desbastar o milho, isto é, de arrancar os pés aparentemente inúteis bem como os das zonas em que estavam mais bastos para que os outros crescessem mais à vontade. Era um trabalho difícil, uma espécie de arte que só os mais velhos e experientes sabiam e podiam fazer. Se o milho ainda era miudinho esses pés excedentes ficavam a apodrecer sobre a terra, juntamente com a monda que também era arrancada. Mais tarde haviam de se transformar em estrume. Se pelo contrário o milho já era maior, os pezinhos arrancados eram atados em gavelas que depois se amarravam formando molhos que eram trazidas para casa, para alimento dos animais bovinos. Os que iam atrás, curvados, com uma mão no sacho outra na monda ou na terra, arrancavam todas as ervas daninhas existentes, sacudiam-lhes as raízes e reviravam toda a terra com o sacho, amontoando-a junto dos pezinhos do milho, sobretudo dos mais frágeis, para que estes crescessem fortes e se protegessem das ventanias e temporais que viriam algum tempo depois.
Uma vez sachado, mondado e desbastado, o milho crescia a olhos vistos e nos dias seguintes os campos transformavam-se em enormes tapetes de folhas verdes, caneladas e pontiagudas, ladeadas pelos canteiros onde floresciam couves repolhudas e, às vezes até as ervilhas, os feijoeiros, as caseiras e os tomateiros também entrelaçados pelo meio, que embora semeados em pequena quantidade, começavam já a trepar pelas estacas de cana que eram espetadas aqui e além ou pelos próprios milheirais.
Algum tempo depois, era necessário “correr” o milho e desbastá-lo novamente. A tarefa de “correr” era bem mais rápida e menos cansativa do que o sachar, pois nessa altura já tinham sido arrancadas quase todas as mondas e ervas daninhas. Agora bastava apenas passar novamente toda a terra a terra com o sacho ou com o lado de uma enxada, revirá-la e ajeitá-la ainda mais para junto de cada pé de milho para que este, agora já bem mais alto e esguio, ficasse bem “calçado” e resistisse corajosamente à força do vento. Nessa altura o milho era desbastado pela última vez. Aos pés agora arrancados era cortada a raiz e eram trazidos para casa para alimento dos animais. Nas terras longe do mar, quando o milho já estava espigado, era semeado o trevo e a erva da casta, devendo todo o terreno ser novamente passado ou seja revirado de lés a lés com um sacho ou ancinho a fim de que as sementes lançadas à terra se misturem com esta para nascerem as respectivas forrageiras.
Na Fajã Grande, contrariamente a outras localidades das Flores e dos Açores, os homens sempre sacharam e correram o milho curvados ou de cócoras, segurando com uma mão o sacho e arrancando a monda ou anafando, ajeitando ou alisando a terra com a outra. Essa a razão porque aos sachos comprados nas lojas e que vinham do Faial se lhes cortava sempre o cabo pelo meio.
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».
14 comentários:
bom artigo.
Olhe Sr. Carlos
Depois do pão de milho que eu comi, não tenho saudades nenhumas desse tempo.
Daqui a cinquenta anos se houver alguém a escrever "Brumas e Escarpas"
A que ciclo se irá referir referente à década que atravessamos?
Daqui a cinquenta anos quem tiver o pesado encargo de escrever «Brumas e Escarpas» referir-se-á à actual década como uma década de malandrice, trafulhices,vigarices, dívidas, subsiodependências, toxicodependências, abortos, agiotagem, etc. Tudo regado com cervejinha fresca...
Uma década para esquecer.
Uma geração perdida.
Sou do tempo em que tude se fazia, e gosto de ler estes artigos do Senhor Fagundes por ser verdade tude o que ele aqui escreve. Quando ele fala em mondar o milho era uma tarefa que eu mais meus irmãoes assim que chegava-mos da escola era mudar de roupa e ir mondar de roda das paredes para os ratos não entrarem para o milho. E a falar em ratos aqui pelos lados das Lajes fazia-se uma armadilha feita de lajes de pedra com dois bucadinhos de madeira e um bocadinho de pão de milho para caçar o rato e também se usava enxofro fazendo fogueiras nos buracos da parede para o rato fugir. Apesar dos tempos dificeis tenho muita saudades do pão de milho daquele tempo.
Quem quiser pode voltar às «maravilhas» deste incrível ciclo.
Comer couves com pão de milho todos os dias ao almoço e andar descalço de inverno nas canadas.
Eu por mim, dispenso!
Ó meus amigos,eu não tenho vergonha de dizer o seguinte:
o meu quintal já tem umas coisinhas e da próxima já é para desfolhar milho e sachar batatas.
Eu nunca pensei de chegar a este ponto outravez,mas antes isso que uma doença.
não é quem quiser anónomo das14,15 a coisa está próximo daquele tempo e ainda há uns dinheirinhos no banco mas o custe de vida cada dia está aumentar e vai-se ao mercado com 40 euros e não se trás nada a este ritmo não dou um ano para voltarem andar descaços sachar milho etc.etc.
Não é vergonha nenhuma ter um quintal ou uma terra para cultivar o que quer que seja.Vergonha é gastar 700 e só receber 699,que é o mal de muitos.Mas o problema já vêm de cima!
Eu não sou desses tempos do pão de milho mas adoro comer pão de milho com cozido de porco,por enquanto o meu ordenado dá para comprar o pão de milho porque o porco temos no corral.
Ao sr. Carlos Fagundes um abraço por relembrar essas coisas aos mais velhos e abrir a memória dos mais novos.
Fartei-me de couves, feijão e pão de milho com chicharro seco.
Muita topada dei nas canadas e muita frieira apanhei nas orelhas.
Não tenho saudades nenhumas desse tempo.
como diz o josé melo que não tem vergonha de dizer que o seu quintal está cultivado.amigo vergonha é ter um quintal e ele andar cheio de monda e andar á espera dos subsidios do governo para não trabalhar esta é que é uma grande vergonha.
O mais caricato é ver terras e quintais de lavradores cheios de monda e mantrasto, enquanto estes andam a comprar batatas, frutas e legumes na loja.
Os forasteiros, turistas ou trabalhadores que vêm aqui por dois ou três meses, têm dificuldade em encontrar à venda produtos agrícolas, frutas e verduras da terra à venda.
Já no que se refere a cerveja e bagaço não se encontra nenhuma dificuldade...
DCA escreve uma nota:
Re:ao pão de milho e caldo de couves aqui por estas terras do maple leaf isso é um (cake) para os nossos compatrícios e para mim também.
A época moderna que atravessamos, afecta muita gente, dessa que está ligada á ociosidade. Já ninguém quer sopa de couves e pão de milho.
O pratos regionais dos Açores, são cada vez mais apreciados por estas terras. O pão de milho é muito mais saudável do que o de trigo.
Os chicharros por cá, é raríssimo encontrálos. O pão de milho e chicharro frito ou assado, é, das comidas ainda, mais apreciadas por estes lados e até fazem jantares e BBQs na comunidade com essas iguarias da nossa terra.
Está tudo farto da carnes assadas, bifes e outras carnes com galihna, porco etc etc.Estes super mercados vendem couves fresquinhas e até pão de milho. Ontem, por acaso, fui comprar couves. Fez-se um bom tacho de couves com batata aos bocadinhos, e um pouquinho de carne de vaca. Porco Já não é para mim, embirrei com isso.
Há dias, uma companhia portuguesa de charcutaria, lembrou-se de fazer linguíça. Oh meu Deus! ele ficaram longe de fazer linguça como daqui ás Flores...Comprei e deu p'ra sempre. Quando a comprei, lembrei-me da propaganda que o FDM fazia da linguíça do Braga LOL
O peixe que como por cá, vem da China. Chega aqui fresquinho, sendo exposto sobre gelo nos stands, e com a gelra vermelha. Aquele que perdeu a cor da guelra, esse deixam-o lá; ninguém o compra. Não falta por cá: bodião-garoupa cherne--cavala e até congro etc etc. Polvo, carangueijo vivo,lagostas e muitíssima (cracas.
Até mesmo polvo e outra qualidade de maríscos.
Este peixe, também há nos grandes supermecados, mas a nossa gente não o compra, porque eles não sabem lidar com peixe e, fica de repente com tom amarelado, perdendo-se rapidamente.
Até não falta inhames, que são importados das Caraíbas ou da California.Agrião, também temos abundancia.Muitas vezes como-se sopa de agrião com batata doce ou inhames; eu adoro isso.
Hoje, comi uma fruta que, aparece por cá de 6 em 6 anos ou mais. Comprei nesperas que vieram da Itália. Lembrou-me das nesperas das Flores, que aí não pagamos para as comer (penso) Acreditem ou não: eu paguei por um quilo de nespras ($17.60 dolares) Tive saudades como as mulheres prenhes. Sempre gostei dessa fruta Guardarei as pevides para as por num vaso,porque já uma vez o fiz.
Denis
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