O ciclo do milho na Fajã Grande, nos anos 50
Parte II – A preparação dos campos nas terras junto ao mar
A preparação dos terrenos situados entre a beira-mar e as casas, ou seja as terras do Areal, das Furnas e do Porto, para se semear o milho, era efectuada de forma desigual e em tempos diferentes das restantes, ou seja das chamadas “terras do Oitono” e que se situavam entre as casas e as relvas ou até já misturadas com estas e, por conseguinte, mais distantes do mar. Por essa razão aqueles terrenos eram mais quentes e estes últimos mais frios, o que, no que respeita às tarefas do cultivo do milho, obrigava necessariamente a um tratamento e a uma calendarização diferentes.
As terras da zona mais próxima do mar, dada a sua fecundidade, regra geral, produziam vários produtos agrícolas durante todo ano, destacando-se três: couves, milho e batata-doce. A estes porém juntava-se muitos outros produtos: abóboras, bogangos, feijão, cebolas, etc. As couves, que cresciam acompanhadas das abóboras e dos bogangos, antecediam o cultivo do milho enquanto a cultura da batata-doce e as restantes eram simultâneas da daquele cereal.
As couves eram obtidas da plantação da couvinha que desabrochava em canteiros, num ou noutro canto da terra onde as sementes de couve haviam sido semeadas e muito bem adubadas. Os pés de couvinha eram espalhados sobre a terra e plantadas à enxada logo após a apanha do milho e da batata-doce e destinavam-se quase totalmente à alimentação do gado bovino e do suíno, devendo, neste último caso, serem cozidas. Além disso enrijeciam e fortaleciam a terra, pois ao serem cortadas pelo caule afim de serem transportadas em molhos para os palheiros, deixavam no terreno uma raiz muito forte, que, mais tarde, teria que ser arrancada, sacudida e geralmente atirada para cima dos marouços ou então deixada a apodrecer, transformando-se assim numa espécie de estrume vegetal, ajudando a fortalecer o terreno que aguardava o semear do milho. A estes e outros resíduos, porém juntavam-se carros e carros de bois bem cheiinhos de estrume ou de sargaço, que se iam despejando em montículos mais ou menos equidistantes uns dos outros. De seguida, todo este “adubo orgânico” era espalhado equitativamente por toda a terra, com garfos, de forma a cobrir muito bem coberta toda a superfície arável do campo.
Só então se procedia ao lavrar ou “abrir” do terreno, tarefa efectuada com o arado de ferro puxado por uma valente junto de bois ou, para quem não os tinha, uma junta de vacas. Na Fajã havia dois ou três lavradores que tinham junta de bois com as quais “davam dias para fora”, ou seja lavravam os campos de quem necessitava mediante pagamento, tornando-se assim numa espécie de profissionais da lavoura. O arado de ferro, como o nome indica, era em grande parte construído em fero e tinha uma ponta muito bem afiada e uma enorme aiveca lateral, presa ao timão por um gancho que revirava ora para um lado ora para o outro, permitindo assim ao lavrador que a voltasse sempre para o lado do terreno que já estava lavrado. O lavrar dos campos iniciava-se geralmente com três voltas na periferia do terreno, num movimento contrário aos ponteiros de um relógio. De seguida efectuava-se de lés a lés, ao comprido ou ao atravessar do campo, sendo que, no caso de este ser inclinado se efectuar sempre de forma a que o revolver da terra a atirasse para a parte mais alta, permitindo assim ao terreno manter a sua forma e estrutura iniciais.
A etapa seguinte era a de gradar. O objectivo era desfazer as leivas e os torrões, tarefa efectuada com uma grade de madeira, com os picos de ferro voltados para baixo, e em cima da qual geralmente se colocavam algumas pedras bem pesadas. Por vezes, para fazer mais peso, era permitido às crianças, para seu gáudio, sentarem-se em cima da grade. Outras vezes era o próprio homem que a segurava com uma corda, que a guiava e que conduzia os animais que se colocava de pé em cima dela, substituindo ou aumentando o peso das pedras. De seguida efectuava-se um novo gradeamento, com a grade ao contrário, ou seja com os ferros voltados para cima, sendo que desta feita apenas só pedras lá se colocavam. O objectivo, desta feita, era alisar a terra, a qual, algum tempo depois, era “atalhada” com o arado de pau e novamente gradada, com a grade de costas.
Só então o terreno estava pronto para se semear o milho.
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».