quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Confecção de pão caseiro florentino

Este vídeo é uma homenagem a Maria Luísa (minha mãe) e a todas as Marias e mães do Mundo, que ao longo da vida dão o seu melhor, por vezes quase o impossível, para darem de comer às suas famílias. O pão dá a vida e com pão se mata a fome que tantos milhares assassina.

Lembro-me das terras na ilha das Flores serem cultivadas a rigor e preceito. Não havia a mecanização e diesel que há actualmente, não havia a subsidiodependência em que tudo é dirigido para angariação de mais e mais dinheiro. Lembro-me de todos os cantos serem cultivados e não se viam ervas daninhas. Lembro-me de quase todas as famílias terem uma ou mesmo mais juntas de bois, um cavalo ou burro domesticado para a labuta do arar a terra, semear, sachar, acartar, etc. Lembro-me que no tempo das colheitas havia uma enorme preocupação em separar o melhor grão para ser preparado para na próxima época ser lançado à terra; e assim o ciclo repetia-se, e assim a vida continuava sã e saudável.

Neste caso concreto do milho, o semear, o sachar como era difícil debaixo das calmarias de Verão, depois vinha o desfolhar e quebrar a espiga, o apanhar maçaroca, o descascar e fazer os cambulhões e dependurar no estaleiro, algum do milho nesta altura era debulhado e ia a moer para fazer as papas grossas ou verdes. Ao longo do Inverno ia-se ao estaleiro tirar os cambulhões e descascava-se o milho, debulhava-se e ia a ventejar para tirar todas as impurezas e pó e punha-se a secar ao Sol. No caso de não haver Sol, o milho ia secar ao forno depois de cozer o pão, de seguida ia para o moinho e depois de transformado em farinha era peneirado e com a farinha no mais fino pó faziam-se as papas, o bolo do tijolo, as escaldadas e o pão de milho.

Lembro-me de ser cultivado trigo na ilha das Flores, bem como o algodão e linho. Lembro-me dos serões a desmanchar lã, escolher, tingir, fiar. Lembro-me de montar o tear e acartar enormes pedras para o calçar, urdir, tecer e com estes produtos fazerem-se cobertores, calças, casacos, coletes, etc. Lembro-me dos serões a contar histórias, muitas de encantar. Lembro-me de tantas mais coisas que por aqui ficaria muito tempo... E afinal tenho 50 anos, a História está, existe... A mente humana é que é muito curta.

Muito obrigado a todas as mães e todas as pessoas que lutaram para que as gerações de agora tenham uma boa-vida graças aos esforços e poupanças de gerações passadas. Obrigado à minha mãe por calorosa e entusiasmadamente ter proporcionado este belo trabalho videográfico para a posteridade.


Vídeo: YouTube de José Agostinho Serpa.
Saudações florentinas!!

6 comentários:

Anónimo disse...

Ao ver as imagens deu-me muitas saudades quando minha mãe cozia o nosso pão de trigo e milho, o alguidar, a pá, o varedor, não não me lembro de tender o pão numa pana de plástico, muito bonito gostei...

Anónimo disse...

O ritual que acompanhava a cozedura semanal do pão enquadra as minhas melhores recordações de infância.
Os fermentos, geneticamente ligados aos "serenos" nevoentos de S. João, as farinhas, que vinham dos moinhos da Fajã, o amassar, o tender, o aquecer o forno, desde os gravetos à lenha de faia, os braseiros, rodados com um "rodo" de madeira, a pá e a colocação do pão.
O pão quente, comido na ceia com manteiga e chá de nevda. Os cheiros intensos das pevides torradas e da batata doce assada. As talhadas de abóbora crestadas pelo calor e os saborosos chicharros assados numa folha de figueira.
Tempos de escassez, mas tempos de alegria e de solidariedade.

Anónimo disse...

Obrigada, José.

Sim, com a excepção dos alguidares de plástico (não havia plásticos!) era assim.

O pão era tendido, lado a lado, com espaços entre cada um, em cima duma toalha estendida e depois coberto com outra. O resto era igual.

Falta aquela reza final. Quem sabe? Não me lembro de tudo. Quem ajuda?

".... te levede....te acrescente".

Já não me lembro. Quem ajuda???

Anónimo disse...

Parece muito bom, mas e a receita? Qual a quantidade de farinha, qual o fermento, quanto tempo em descanso, etc...? Pode ser feito em forno elétrico ou no forno a gás?

Anónimo disse...

Obriga José, pelo belo trabalho que fizeste. Mais um.
Foi muito bom recordar,retoceder no tempo e nas memórias.
Para quem pede a receita,digo;talvez não era essa a função deste trabalho.Era sim, trazer à memória actual,o modo com se vivia no passado.É o reviver para uns, cultivar-se para outros, os mais novos,principalmente.
Agora aprender os métodos, é outra coisa e com outras condições.

Anónimo disse...

Obrigado José.
Nunca vi tua mãe fazer o seu pão mas vi minha avó (tua tia Evarista) fazer o seu pão imensas vezes.
Este video trouxe-me imensas memórias e as lágrimas da saudade.
Um grande obrigado.
José António