«Preto no Branco» #25
God bless the World
Se há coisa que sempre me intrigou foi ver certos articulistas da chamada imprensa local ou regional – e, por maioria de razão, da hodierna blogosfera - perorarem sistematicamente, muitas vezes chorrilhos de banalidades, sobre assuntos que extravasam muito o âmbito do público a que se destinam, considerando que existem espaços mais adequados e opinion makers mais habilitados para análises que vão da geopolítica à macroeconomia, entre outros.
As duas razões principais para a impertinência, como é bom de ver, prendem-se com o facto de cada órgão de comunicação dever desempenhar o seu papel, complementar, sobretudo num tempo em que tanto nos é permitido ler, por exemplo, «As Flores» e «O Monchique», como o «Público» e o «Expresso», ou ver a SIC Notícias, a CNN e a Sky News, para além do acesso, via consulta on-line, a informação de todo o Mundo. Por outro lado, muitas vezes é bastante mais cómodo “chutar para canto” e fazer eco de opinião assertiva mas sugestionada, politicamente correcta, do que manifestar posições que enfrentam a realidade mais próxima, o que muitas vezes acarreta incómodos, embaraços e inconveniências de toda a ordem. Ou não fossem as comunidades em que vivemos complexos ordenamentos sociais, que se cruzam ao virar da primeira esquina, não sendo fácil destrinçar-se o “complemento directo” ou o “predicado” do “sujeito” – daí ouvirmos tantas vezes em circuito privado comentários do tipo, “O quê? Falar do assunto 'X' ou 'Y'? Para ficar guerreado com fulano ou sicrano? Nem pensar!”.
Este intróito, intencionalmente justificativo, vem a propósito das eleições americanas [da passada terça-feira] e da eleição do 44º Presidente dos E.U.A., Barack Obama.
Escusamo-nos a fazer aqui uma “análise” ao enorme significado para a América e para o Mundo desta eleição. Cremos que este não é o espaço mais adequado para o fazer e há experts mais preparados para o efeito, além de que o leque de painéis informativos e de debate sobre o assunto é vastíssimo, estando, de resto, à disposição de qualquer um.
Ora, desfeita qualquer eventual contradição entre a nossa posição de princípio e trazer à colação uma nova página da História, aberta na passada terça-feira, permitimo-nos avançar aqui tão só alguns detalhes interessantíssimos, de especial significado, e que dão muito que pensar.
Partindo do acompanhamento atento e quase integral que fizemos às eleições presidenciais americanas, desde o início das “primárias” há quase dois anos, às Convenções Democrata e Republicana, deste Verão, em Denver e no Minnesota, passando pelos debates, do mês passado, e à noite eleitoral, da passada terça-feira, peguemos na célebre frase do congressista Tip O´Neill - “Toda a política é local”, conjuguemo-la com a afirmação da correspondente da Sky News, no Grant Park de Chicago, que ao entrar em directo no fim da emissão, após o discurso de Barack, dizia que este era um daqueles momentos que nunca mais se vai apagar da nossa memória e daqui a anos todos nos vamos perguntar, “Onde é que estava na noite em que Obama ganhou as eleições?”, e reflictamos sobre certos aspectos de como bem-fazer política (ou não), que tanto valerão para uma ilha no Pacífico como no Atlântico Norte, um arquipélago como o Hawai ou como os Açores, um Estado do Centro-Oeste norte-americano como um do Sul da Europa, ou os Estados Unidos da América como a União Europeia:
- A dignidade do candidato derrotado: John McCain demonstrou uma superioridade, moral, democrática e patriótica, elevadíssima. O seu discurso de aceitação da derrota terá sido do mais despojado, franco e digno que alguma vez vimos em circunstâncias paralelas. Uma lição de fair-play.
- A “demarcação” de Sarah Palin: alguém reparou a que distância (literalmente, em centímetros) se colocava nos palcos a candidata a Vice-Presidente dos Republicanos de John McCain e a que distância já estava na passada terça-feira? McCain, que a “inventou”, no momento da derrota já não a teve tanto por perto. A política é mesmo ingrata!
- Michelle: a Primeira-Dama vai ser fundamental no desempenho de Obama. Melhor para este do que foi Hillary para Clinton. Interventiva mas apaziguadora, a força do bom senso. Viram o discurso de Michelle, na Convenção de Denver? Que personalidade! Que inteligência! Que capacidade de identificação com a classe média! Que determinação! Que mulher! Notável.
- Uma oração e uma homenagem à Bandeira: momentos antes de Obama fazer o discurso da vitória, um Pastor invectiva a multidão à prece, seguindo-se uma homenagem à bandeira e canta-se o hino. Nos E.U.A. o Partido Democrata é considerado “de esquerda”. Mas reza-se sem vergonha, presta-se homenagem à Bandeira com respeito e canta-se o hino com patriotismo. Em Portugal, qualquer partido dito “de direita” jamais fez metade disto. E se alguém fizesse algo semelhante logo seria apodado de fascista, no mínimo. “Tolerância”, vimo-la na madrugada de quarta-feira em Chicago.
- O discurso de vitória de Obama: grandioso e humilde, ao mesmo tempo. Ambicioso e realista, simultaneamente. Um talento. Uma luz. Profético e revelador. Numa palavra, sublime. A voz que melhor se faz ouvir entre todos os políticos. O homem que inspira a América e o Mundo.
- O triunfo da política sobre a economia: a política voltou! Para tristeza dos tecnocratas e dos proclamadores do fim da História, entrámos num tempo em que as opções políticas voltam à dianteira e, em última análise, a forma como os povos avançam no tempo é ditada pelo resultado de opções eminentemente políticas. Assinalável é também a taxa de participação dos americanos nestas eleições. De facto, quando a crise aperta, é preciso ir buscar os melhores para governar...
O exercício do poder do 44º Presidente dos E.U.A. começa em Janeiro próximo. Fora dos E.U.A., nos cinco continentes, dele muito se espera - para o desanuviamento das tensões mundiais, para o restauro da confiança e no incremento de um novo modelo, pós queda do neo-liberalismo mais selvagem e despudorado.
As expectativas estão muito altas em relação a Barack Obama. Que dele não se espere a solução para todos os males. O novo Presidente dos EUA terá de fazer uma parte. Todos e cada um - à escala local, regional, nacional e internacional - a outra.
Por isso, para que as coisas resultem, uma vez que Obama abençoado está, esperamos e pedimos para que “God bless the World”.
Ricardo Alves Gomes
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