domingo, 15 de novembro de 2009

«Miscelânea da Saudade» #7 (parte 2)

Não sei quem é [... continuação]

No tempo da Última Guerra Mundial, os florentinos oriundos doutras ilhas, como era meu pai e meus avós maternos, sofríamos muito por não haver um palmo de terra que chamássemos nossa. Nesse tempo de crise, o da guerra, poucos lavradores vendiam milho. O que nos valia para o pão nosso de cada dia, eram umas nesgas de terras, "combradas" como [lhes] chamávamos, na rocha da "descida" e terras de "meias" que meu bom pai fazia, mas apenas para batata doce, e inhames do Vale de José de Freitas "Galinha". Para milho, era pedir uma maçaroca de porta em porta e quando tínhamos 20 ou 30 maçarocas, (lembro-me bem) debulhava-se e íamos para a Fazenda moer o milho.
Há coisas que nunca mais [se] esquecem. Os nativos florentinos de 4 ou 5 gerações, todos tinham casa sua e alguma terra; ou muita terra. Os oriundos doutras ilhas, como uma dúzia de famílias [de] que me lembro nas Lajes, tinham tanto ou pouco mais do que nós.

Ele, o Sr. Nuno Vieira, ainda fala na casa da Maria Teresa em frente à loja do sr. João Germano de Deus. A respeito da Maria Teresa, "Deus me perdoe" também lhe atirei algumas pedradas à janela para a fazer berrar, até se ouvir longe. Coitada da senhora! Hoje sinto remorso. Oh meu Deus!... Lembrou-me agora do mestre Chico sapateiro, do Outeiro Negro, que, ao sairmos da escola, levava algumas pedradas sobre a telha (eu era um dos bons de cabelo).
Também me lembro de dar uma pedrada num penico que a Anina, filha do saudoso tio João Ti'ana, levava na mão. Sobre este assunto, eu e a própria Anina falamos quando estive de visita em 1990. Rimos até chorar de riso.

Ainda sobre o José da Teresa, lembro-me de o ver e abraçar, aquando na mesma data fui às Flores. Encontrava-se juntamente com o filho da dita Vitória do Lombo, mulher do José d'América, aquela que também me fez fugir muitas vezes, depois de enviar 'pedrinhas' para as grades de ferro que ela tinha na janela. Chamavam-a a Vitória doida, coitadinha!... Quando me lembro dessas heresias, penso que ainda tenho muito que pagar...
Os dois estavam no Largo de Santo António. Introduzi-me, fazendo-os lembrar quem eu era. Abraçamo-nos; foi um momento feliz para mim.

Por essa altura, eu era assinante do extinto «Jornal do Ocidente», como também era seu colaborador. Tal jornal tinha por Director o meu saudoso amigo Sr. José de Freitas Silva. Uns tempos depois, não muito, li no mesmo jornal, já aqui no Canadá, um texto da D. Gabriela Silva, a dizer que o José da Teresa havia morrido. Segundo o relato dela, o enterro do José da Teresa não levou um acompanhante que fosse para a sua última morada. Isto doeu-me a alma.

Há muita coisa a dizer sobre recordações da nossa ilha. Mas, como já vou adiantado na escrita, o resto fica para outra ocasião.


Denis Correia Almeida
Hamilton, Ontário, Canadá

13 comentários:

MILHAFRE disse...

O post do Sr.Denis, emigrado no Canadá, utilizando uma escrita chã e deliciosa , faz-nos recuar aos tempos muito dificeis na Ilha das Flores.

Felizmente hoje a Ilha encontra-se num outro patamar de desenvolvimento e apesar dalgumas dificuldades a maioria das pessoas vive bem e não lhes falta nada.

A alguns falta é vontade de trabalhar.

Anónimo disse...

Um palminho de terra no tempo da guerra, era uma fortuna.
Nas courelas da rocha e das ribeiras, cultivava-se milho, batatas e legumes, para se passar o ano.
Os barcos não vinham com mercadoria por duas razões: no continente as coisas escasseavam e os submarinos alemães e ingleses em luta, tornavam perigosa a viagem.
Muita gente, por uma quarta de milho, dispunha-se a trabalhar de sol a sol, para dar de comer aos filhos que puchavam descalços pela saia da mãe em cada.
Rarissimos eram os que não andavam descalços às topadas nas pedras frias e alagadas.
Vestiam-se roupinhas do tear, tecidas com linho e lã de ovelha, para correr com o frio, ou umas coisinhas da América que cá conseguiam chegar.
Tempos dificeis e diferentes.
Mas a alegria de viver era outra, porque se valorizavam as coisas simples e se procurava a graça de Deus.
Reparem bem no que se passa hoje.
Já ninguém fala em frieiras nas orelhas por causa do frio nem em unhas estropiadas nas pedras das canadas. Escolhe-se roupas de marca e não dispensa o carro.
Já não se fala em sopinhas de leite, caldinhos de couve com feijão ou chicharinho seco com pão de milho. A mesa é farta e come-se o que vem de fora.
Nascia-se, crescia-se e morria-se sem se sair das Flores. Hoje, porque há depressões, viaja-se para Lisboa, para a Terceira e para S. Miguel 5 vezes por ano.
Bebiam-se chazinhos para tirar maleitas e usava-se linhaça para as dores. Havia parteiras em quase todas as freguesias. Hoje vão arrancar um dente ao Faial.
GRAÇAS A DEUS que se mudou.
Mas isso não basta.
Vivem por ai insatisfeitos, numa critica constante.
Revoltam-se e metem-se em drogas, sem aproveitarem os melhores anos que a vida dá.
Pensam que se vive sem trabalho e sacrificio, como se caisse tudo do céu.
Exigem aos pais tudo e mais alguma coisa, senão vão viver para outro lado.

E uns sopapos bem dados a tempo e a horas?

Anónimo disse...

Hardlink AO DR.PARDAL;
Desejo comentar no intitulado DR.PARDAL:
É verdade colega!.. Da forma que escrevo, é apenas o resultado daquilo que o saudoso professor Vieira da Fazenda das Lajes me ensinou, excluindo alguns erros gramaticais e ortográficos, sendo estes da minha autoria;(of course)

Quando escrevi, ou escrevo textos
acerca do meu tempo nas Flores, faço-o sem embelezamentos de ortografia. Primeiramente por gostar da simplicidade das coisas. Segundamente porque não saber melhor, e, finalmente, quando o faço, retrocedo em pensamento ao tempo antigo para me expressar e me sentir dentro desse tempo decorrido há mais de 65 anos.

Ainda, aguardando as "letrinhas" que aprendi, que no decorrer dos anos me acompanharam até à idade que estou, lendo livros e jornais, continuei a preservar o pouco que aprendi,e continuo aprender para hoje me poder expressar pelo menos, e basicamente naquilo que tenciono dizer.
Obrigado pela complementaridade

Denis Correia Almeida
Hamilton, Ont. Canada
Hardlink@aol.com

Anónimo disse...

O anónimo das 09:57 parece o diácono remédios.
Então quer que a malta ande descalça, coma chicharros secos e fique trancada nas Flores?

As saudades desse tempo resolvem-se facilmente: é fazer como antigamente.
Obrigar os outros é que não.

Anónimo disse...

um lajense gostava de saber quando foi a ultima vez que veio as flores

Anónimo disse...

HARDLINK
Para anónimo das 09H57m

Sim senhor; disse alguma verdade...
No entanto,a frase(um palminho de terra no tempo da guerra era uma fortuna)isso está muito superlativo ou exagerado na parte diminutiva da realidade desse tempo; tempo meu.

Se o amigo está a referi-se às courelas da rocha, num ponto tem razão; uma (fortuna)?..Não! Isso é exagero!

Com essas três courelas, que nos permitiam fazer, se cada uma se tornasse em sepultura, não daria para sepultar 3 quanto mais quatro que éramos nós.
-Aquilo que desfrutávamos da (rocha da descida) eram umas cebolas,uns alhos e, raramente uma cesta d'asa de batatas.
Não sei quem é o senhor; mas noto que está a multiplicar (courelas)nessas rochas e ribeiras. Cultivava-se uns pés de couve que, conforme a brisa e salmoura do mar, esmirravam a meio crecimento.

-Ainda a volta de courelas nas ribeiras, nunca tivemos isso, e pouco dessas coisas havia nas Lajes. Quem se sujeitaria a cavar nas encostas das ribeiras para plantar novidades? Teriam os tempos mudado de tal maneira que, as ribeiras só passam agora pelo meio, deixando nos lados as nesgas essas (courelas) de terra atrás intactas?.. Desconfio.Isso não era no meu tempo!..
Trabalhar de sol a sol, essa parte é verídica. Mesmo em outras ilhas dos Açores até ao fim da década de 40, trabalhava-se de Sol a Sol. Tudo isso passei nas Flores e em S.Miguel.
Como já disse noutra ocasião; os legítimos florentinos, de quatro, cinco ou mais gerações, já trouxeram (fermento)terreno,casa, pastos e propriedade dos
seus antecessores.
Após que, os que emigraram de outras ilhas para as Flores, levaram pouco mais do que a roupa que tinham no corpo, para agora o nosso (camarada)dizer que "uma courela nas rochas e ribeiras era uma fortuna" Valha-nos Deus!..
-E o milho; para o pão nosso de cada dia, donde vinha? Também vinha dessas courelas das rochas e ribeiras como você diz?
Não sei quem você é; ou de que data vem, ou até se descende de familias abastadas...
Uma coisa é certa: desconhece a realidade do passado, ou então, alguém lhe transmitiu verbalmente, coisas que obscurecem as necessidades e realidade do tempo que já lá vai.
Vejo que involuntariamente, talvez esteja a camuflar as faltas dum tempo muito carecido.
-Suponho que estivesse a ler a Biblia, e esteja a referir-se à multiplicação dos pães nas Bodas de Canaã! Paciência!..

Denis Correia Almeida
DCA
Hardlink@aol.com

Anónimo disse...

Hardlink
Resposta ao conterrâneo/a lajense das 23H04m.

A última vez (esta oficial) que visitei as Flores, deu-se pela sétima Festa do Emigrante em 1992 a convite do saudoso já falecido Sr. Cristiano Gomes, presidente da Câmara das Lajes, nesta data, para expor minhas pinturas.

Já por esta altura, o novo porto- doca das Lajes estava em bom progresso.
Prior a esta data, visitei as Flores em 1990 e 1987.

Antes destas visitas, despedi-me das Flores com destino a S.Miguel em 1949, ficando por Ponta Delgada, S.Miguel até 1965 altura que emigrei para o Canadá.
Se tiver interessado/da em mais perguntas, por favor face-as, que lhe responderei como souber.

Obrigado pelo interesse.

Denis Correia Almeida
Hamilton, Ont. Canadá
E-mail: Hardlink@aol.com

Anónimo disse...

Caro Dinis
O autor do artigo de que tanto gosto, Nuno Vieira, é precisamente filho do Prof. Vieira.

Anónimo disse...

Hardlink;
DCA
Ao anónimo da 17H58m
Wow!à moda inglesa!..
Que coincidência ?!
Talvez por pensar na altura que o professor Vieira fosse um homem idoso, não sabia que ele tivesse um filho ainda um pouco mais novo do que eu.
-Quando somos miúdos, as pessoas de 40s 50s anos nos parecem velhos; as casas são muito altas, como também as ruas muito largas.
Talvez porque nos Açores muitas vezes andávamos por atalhos.

A primeira vez que fui aos Açores, (era) tudo pequenino; e as ruas eram estreitas que pareciam canadas.
Obrigado pela a informaçäo.
DCA

Denis C. Almeida
Hamilton Ont.Canada
Hardlink@aol.com

Anónimo disse...

As courelas da rocha e as sobras da ribeira aqui referidas localizavam-se nas Flores e em quase todas as ilhas.
Hoje são mato, onde mal se consegue andar.
No tempo da guerra, muita sopa de couve, muita sopa de abóbora, muita cebola, muita batata se retirava dali.

Anónimo disse...

muito se trabalhava e era prciso fazer pela vida que as coisas não estavam para brincadeiras, e com esta crise estou a ver isto andar para trás eu logo que tenha o café e o pão para fazer umas sopas já estou bem que não passo fome ou umas sopinhas de agrião de couves e fajão que eu não estranho já comi muitas e continuo a comer e agradeço a deus por ter já estive muito pior.

Anónimo disse...

Caro Dennis, voce não se apoquente com o que vozes discordantes possam dizer, muitas vezes é o resultado de não ter mais nem melhor para acrescentar, muitos certamente nem sabem dos tempos que fala, nasceram na era do cd e da tv cabo, das "barbies" e dos "action man".
Não sou do seu tempo, mas a forma como lhe dá gosto escrever sobre esta "nesga" de terra a mim diz me muito.
Quanto aos erros com que possa escrever, escreve melhor que muitos "escritores" que eu cá conheço, não é qualquer um que nos faz ver uma imagem atravez das palavras, continue a escrever, pois eu continuarei a vir cá ler...

Anónimo disse...

Hardlink DCA
Para o anónimo das 11H28m

Obrigado por compreender os factos como as (coisas) se apresentam.
Decerto, já teve ocasião de ler que
a minha escola,legalmente vista, não passou do exame de primeiro grau; ou seja: passagem da terceira para quarta classe; pouco mais!..
Estive na quarta classe quase toda, mas não dei exame. A mesma coisa que ir nadar sem molhar os pés.

No entanto, essa terceira classe doutrora, pouco reflecteria no que agora escrevo, se não fosse
a continuidade de ler aquilo que os outros escrevem; aliás, bem ou mal.
Aprendemos com os dois;porque, nem só com quem escreve bem se aprende.

Quando lemos os que escrevem mal notamos logo a diferença; sendo essa a diferença que nos faz distinguir o bom do mau e aperfeiçoarmo-nos.

-É a equivalência dos temperos:
O açúcar não era doce se o sal não existisse
Minha filosofia.
Obrigado!..

Denis Correia Almeida
Hamilton, Ont. Canada
Hardlink@AOL.com