terça-feira, 18 de dezembro de 2012

«Brumas e Escarpas» #51

Achados

Na Fajã Grande nos anos 1950 havia a convicção de que o mar era “muito rico”, chegando mesmo a considerar-se que seria “mais rico do que a terra”. E o povo tinha razão, apesar de neste seu juízo de valor não aludir à importante fonte alimentar que o mar continha - o peixe. Referia-se, pelo contrário, a riquezas materiais, a tesouros e outros bens de valor que estariam algures nas profundezas dos oceanos e que, de um dia para o outro, poderiam muito bem serem trazidos pelas ondas, sobretudo quando bravas, fortes e altivas, despejando-os na orla marítima, vulgarmente chamada “costa”. Era esta ideia que levava muitos homens, na altura, sobretudo em dias de mar bravo, a “correr a costa”, isto é, a percorrer toda a zona marítima desde o Canto do Areal até ao Rolo, na mira de encontrar tudo aquilo que o mar possuía e agarrar no que muito bem encontrassem e conseguissem arrastar para terra. Por vezes, os mais corajosos, mesmo enfrentando a fúria das ondas, atiravam-se ao mar.

E não se enganavam estes aventureiros da busca de tesouros marítimos. Na realidade muitos eram os homens, e até algumas mulheres, que nos dias de mau tempo se dirigiam para junto da orla marítima, equipados com grandes e potentes “pexeiros”, vasculhando tudo o que fosse poça, caneiro, enseada ou baía. E verdade é que muita coisa era encontrada, pescada para terra e trazida para casa, sendo tudo o que o mar dava, praticamente aproveitado. Eram os célebres e tão desejados “achados”.

Os achados mais frequentes eram garrafas e frascos. As primeiras, sobretudo as de litro, eram muito apreciadas, assim como os garrafões que, com menos frequência apareciam. Depois de lavadas eram usadas para o vinho ou para o petróleo ou para a creolina e as mais pequenas para biberons de bebe ou para colocar o azeite doce, a tintura ou álcool. Os frascos serviam para guardar o doce. Outros achados, muito frequentes, eram as bóias de ferro ou de alumínio. De forma geralmente redonda, com capacidade entre 2 a 3 litros, depois de furadas junto à asa e bem lavadas por fora e por dentro, eram usadas para o transporte de água, uma vez que a conservavam muito fresca, para os homens beberem enquanto trabalhavam nos campos ou ainda para o transporte para as galinhas ou para outro uso qualquer. Também se encontravam tábuas, barris, lâmpadas usadas, latas, caixas, bolas de vidro e muitas outras bugigangas. As lâmpadas, mesmo fundidas, tinham utilidade, pois serviam para as mulheres remendarem as meias. Por sua vez as bolas de vidro, ao que se crê oriundas das redes de pesca da altura, eram colocadas nas salas como enfeites. As verdes eram lindíssimas. Mas os achados mais desejados, porque muito valiosos, eram os fardos de borracha. Tratava-se de cubos de borracha maciça, alguns bastante grandes e que depois de secos e limpos poderiam ser vendidos e dar bom dinheiro. Na Fajã Grande era a senhora Dias que os comercializava. No entanto, a pessoa que encontrava o fardo não chegava a receber o dinheiro, uma vez que a senhora Dias tinha uma mercearia e entregava o valor estimativo do fardo de borracha em géneros e depois, ela própria os vendia ou exportava para o Continente. No entanto este negócio, nos anos 1950, trouxe-lhe alguns dissabores, por quanto a lei não permitia que se comercializassem produtos encontrados no mar. A senhora Dias acabou por ter que responder em tribunal, o que veio a prejudicar sensivelmente o negócio, tornando-se a procura dos fardos menos incentivada.

Entre as garrafas, as mais procuradas eram as fechadas, por quanto se cuidava que poderiam trazer dentro alguma mensagem, e entre estas, alguma que pudesse mudar a vida de quem a encontrasse. No entanto, as mensagens destinavam-se sobretudo aos estudos das correntes marítimas ou eram meras brincadeiras.

Outros objectos procurados eram os provenientes dos destroços dos navios naufragados: madeira, objectos de ferro, talheres, bidões, latas, etc. Havia também nalgumas casas da Fajã Grande, camas, portas, candeeiros e louças encontrados nos destroços da Bidart, do Slavónia e de muitas outras embarcações.

A maioria dos achados, devido à sua longa permanência no mar, geralmente na parte que flutuava debaixo de água, estavam cheios de minúsculos percebes, pelo que depois de retirados do mar, sobretudo fardos e garrafas, tinham que ser muito bem limpos e postos ao Sol a secarem.

A procura de “achados” caracterizou a ligação ao mar durante muitos anos para uma população, que exceptuando a caça a baleia, pouco se interessava pela exploração do mesmo mar.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

1 comentário:

Anónimo disse...

Carissimo
Ainda hoje, em pleno calhau, dão à costa "objectos" estranhos.