quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O dia em que o avião não chegou

De um momento para o outro, a mesma ilha das Flores que resplandecia ao Sol benigno do início de Dezembro encolheu-se sobre si própria, vergada aos ventos, ao nevoeiro e à sua eterna sina de insularidade. Quando o avião não chegou e a lancha Ariel não percorreu as milhas náuticas que a separam da ilha do Corvo, os florentinos encolheram os ombros. É a meteorologia vivida como parte integrante do quotidiano: «Amanhã o avião já vem».

Há uma gaivota a planar sobre o mar de estanho. Um homem jovem caminha vergado sob o vento como um homem velho junto ao muro pintado de branco das piscinas. A mancha amarelada do canavial agita-se entre a encosta tingida de verde e as rochas afiladas que descem sobre o mar. O céu fecha-se de branco e engole o que resta do perfil da ilha do Corvo. Jurava que já tinha experimentado os ventos mais fortes das ilhas mas a manga branca e vermelha do aeroporto e as copas dos últimos cedros do mato em frente ao mar dizem-me que está a começar mais um temporal.

Os habitantes acostumaram-se há muito aos ventos, ao céu a descer das encostas em forma de nevoeiro e às rajadas a bater toda a noite nas vidraças humedecidas. Os mais velhos contam que o «isolamento» actual não é nada comparado com o tempo em que não existiam estradas mas apenas caminhos enlameados e as Lajes das Flores ainda não conheciam o porto novo. «O barco grande ficava ao largo e a gente transportava tudo em barcaças para terra», conta um pescador, embrulhado numa samarra, um boné sempre pendurado na cabeça e um olhar permanente sobre o mar que não o deixa pescar. «Agora é a época boa para o goraz mas não está dando para pescar». O rosto contrai-se numa careta de resignação. «Já tenho 70 anos, já apanhei muitos sustos no canal entre o Corvo e as Flores, baleias, ondas fortes, já estive na Guerra Colonial, é assim...»

Ao invés do temor de sismos e erupções de outras ilhas, nas Flores vivem-se intensamente as ventanias, as chuvas e consequentemente as «quebradas» (desabamentos de terra). A cada passo, na minha caminhada por uma ilha repleta de ribeiras que descem em cascatas pelo meio das encostas verdejantes, confrontei-me com árvores caídas, uma estrada cortada, o acesso a um lugar de águas quentes engolido pelas terras e pelo menos um trilho cortado.

Quando, no dia seguinte à borrasca, o Sol tímido de Dezembro rompe o nevoeiro e até celebra as tréguas com um arco-íris sobre Santa Cruz das Flores, vive-se uma espécie de reconciliação com a ilha mais verde. «Você veio em Dezembro a uma ilha isolada no meio do Atlântico, o que é que queria?», pergunta um florentino de sorriso nos lábios.


Crónica do jornalista Nuno Ferreira no portal «Café Portugal».
Saudações florentinas!!

2 comentários:

Anónimo disse...

È amigo tude o que ai escreve é verdade só gostaria de acrescentar sobre os invernos frios com muito grannizo onde eu ia de manhã cedo com os meus pés descaços levar as vacas à relva para chegar a tempo de ir para a escola os pés ficavam brancos e as mãos do gelo mas quando se chagava a casa lá estava o tacho com café em cima da lareira quentinho que até aliviava a dor e toca andar para a escola. Tempos de crise.

Anónimo disse...

É verdade. Comigo também aconteceu o mesmo.Percorria cerca de 2 km para ir à escola, descalço, com chuva, granizo e vento, secando a roupa no corpo durante o dia na escola.À tarde depois de chegar da escola, ia buscar as vacas das relvas para o palheiro, só depois se fazia os trabalhos de casa.Tempos difíceis mas ao mesmo tempo belos!