O Salão
A igreja da Fajã Grande tinha apenas uma sacristia, situada do lado do Evangelho, ou seja, a sul e que ficava anexa ao templo com o qual comunicava através do púlpito e de duas portas, uma que dava para a capela-mor e a outra para o cruzeiro. Era um edifício pequeno, de um piso e com duas divisões. Uma destas divisões era a chamada sacristia de cima, onde o celebrante se paramentava e que, para além de duas ou três cadeiras e uma pequena mesa que servia de secretária ao pároco, tinha um enorme gavetão, com alguns santos velhos em cima, em cujas gavetas se guardavam os paramentos e todas as outras vestes e roupas litúrgicas e um armário, encastoado na parede, que servia de resguardo aos cálices, píxides, relicários e restantes objectos de culto. Por sua vez, a outra divisão, onde se localizava a única porta que dava acesso ao exterior, chamada sacristia de baixo, era mais pequena, sendo grande parte do seu espaço ocupado com as escadas do púlpito, reduzindo-se o restante praticamente a um corredor de passagem, ladeado por alguns armários de arrumos.
O padre Pimentel, no início da década de cinquenta, que paroquiava a Fajã Grande nessa altura, sentindo que a sacristia era exígua e, sobretudo, por pensar que lhe faltavam espaços para arrumos, para a catequese, para ensaios, para preparar os andores, para guardar a Senhora da Soledade, para apoio à quermesse da Senhora da Saúde e até para recolher o milho das almas, decidiu que se havia de construir um salão. O projecto era simples e, ele próprio, o arquitectou. Tirava-se o tecto à sacristia, subiam-se-lhe três paredes, porque a do lado da igreja estava subida por natureza, colocava-se-lhe um tecto novo e construía-se assim, por cima de toda a área da sacristia, um segundo andar, formando um salão com um espaço um pouco superior ao da referida sacristia. A concretização do projecto, no entanto, era substancialmente obstaculizada pela falta de dinheiro e de mão-de-obra. Mas quando o pároco, na missa de domingo, anunciou o projecto, todo o povo se ofereceu para ajudar. O dinheiro era apenas um pequeno problema: fazia-se uma derrama pela freguesia, escrevia-se para a América a pedir aos emigrantes e arranjava-se o necessário. Quanto ao trabalho?! Bem esse, nem problema era. Então não é que estavam ali todos para ajudar?
Fez-se a derrama, escreveu-se para a América a arranjou-se dinheiro para a madeira, para a cal, para a telha, para as fechaduras, para as janelas e para pagar a um ou outro carpinteiro. Aos domingos, porque o pároco esclarecera que trabalhar aos domingos e dias santos de guarda, para a igreja e em benefício de Nosso Senhor, não era pecado, formavam-se filas e filas de carros de bois, uns a acarretar areia do Canto do Areal ou madeira dos Paus Brancos, outros a transportar carradas de pedra do Calhau Miúdo, até atulhar por completo o adro que, na altura ainda não era cimentado. Homens, mulheres e crianças, todos trabalhavam e ajudavam, consoante a sua capacidade, uns a cortar árvores, outros a partir ou a ajuda-la a carregar e descarregar a pedra, outros a encher sacos de areia e, os mais experientes, a aplainar as traves e os tirantes, a fazer parede, a amassar o cimento com a areia e a chegar e aplicar a argamassa. O empenho da população foi tal que, passados alguns meses o salão foi inaugurado.
A construção do salão assim como a compra da Filarmónica (com a oferta do leite do primeiro domingo de cada mês) e tantos outros projectos, embora menores, que na freguesia ganharam forma e concretização ao longo dos anos, foram e são, inequivocamente, um exemplo da força, da raça, do querer, do dinamismo, da generosidade, do espírito de entreajuda e de cooperação do povo da Fajã Grande.
Carlos Fagundes