domingo, 3 de novembro de 2013

Ogivas nucleares estão em repouso?

Um submarino nuclear americano está afundado a 640 quilómetros ao largo dos Açores. Há 36 anos que os seus destroços repousam no fundo do mar sem que se saibam os perigos que podem advir deste facto.

O caso continua envolto em mistério e secretismo. Há já algumas dezenas de anos que os habitantes do arquipélago dos Açores podem estar expostos aos perigos da radioactividade sem que disso tenham real consciência. O afundamento do USS Scorpion, submarino nuclear norte-americano, ao largo da Zona Económica Exclusiva açoriana, é, inclusivamente, desconhecido por várias personalidades políticas e científicas regionais. Cerca de 400 milhas a sudoeste dos Açores encontra-se depositado no fundo do mar o que resta do submarino norte-americano USS Scorpion. Mas mais importante do que isso é o facto de nunca terem sido retiradas dos destroços as duas ogivas nucleares nem os reactores nucleares que o submarino transportava à data do seu afundamento (22 de Maio de 1968). Apesar do material estar localizado em águas internacionais, as autoridades norte-americanas têm impedido, até hoje, que outros estudiosos tenham acesso ao local e possam efectuar investigações. Numa das últimas grandes avaliações levadas a cabo por cientistas dos Estados Unidos, há quase trinta anos, em 1986, a conclusão não poderia ter sido mais lacónica e intranquila: não está provado que haja perigo de libertação de material radioactivo. No entanto, também ninguém pode assegurar a 100% que tal não venha a acontecer ou já tenha acontecido. Esta é uma resposta insuficiente face aos reais perigos - depositados a 3.048 metros de profundidade - que estão aqui em causa. E, até à data, mais de quatro décadas volvidas sobre o misterioso desaparecimento do submarino nuclear, a esmagadora maioria da documentação existente sobre o USS Scorpion continua classificada como secreta pelas autoridades militares norte-americanas. Até ao momento desconhecem-se as verdadeiras causas que levaram ao afundamento do Scorpion. No entanto sabe-se que o nome do submarino é citado no pior escândalo da História da secreta norte-americana, a célebre CIA - no famoso caso Walker.

Apesar deste dossiê ser desconhecido por grande parte da opinião pública, também há cientistas da Universidade dos Açores que têm conhecimento do caso. Alguns estabeleceram contacto com a armada americana a fim de obter mais dados, já que os destroços estão localizados numa região vulcânica. A informação recebida foi parca e adiantava que regularmente são feitas monitorizações no local do incidente para detectar se o material nuclear está ou não a ser corroído. Para além disso, a armada norte-americana já afirmou que os reactores utilizados em todos os submarinos e navios com origem em terras do tio Sam são concebidos para minimizar o impacto no meio ambiente em caso de acidente. O que não deixa completamente tranquilo quem tem conhecimento do caso. Aliás, o «Expresso das Nove» apurou que há quem, na comunidade científica, admita a hipótese dos elevados índices de mercúrio detectados há alguns anos em determinadas espécies piscícolas estarem directamente relacionados com o Scorpion. Uma hipótese meramente académica, mas que no entender de especialistas não deve deixar de ser levada em conta. A nossa reportagem tentou obter reacções de vários cientistas nacionais conhecedores do problema, bem como de diversos organismos oficiais, mas nenhuma das pessoas ou entidades contactadas aceitou prestar declarações sobre tão controverso, polémico e secreto dossiê. Curiosamente, apesar de serem vários os que afirmam desconhecer a existência do USS Scorpion, a nossa reportagem apurou também que o mesmo já foi alvo de um trabalho académico realizado no departamento de Biologia da Universidade dos Açores, no âmbito da disciplina de Poluição. No entanto, todos os esforços encetados no sentido de contactar os autores do referido trabalho não foram bem sucedidos.

O afundamento do submarino norte-americano, bem como o facto do material nuclear que este transportava a bordo nunca ter sido retirado do fundo do mar são dados que o Executivo Regional conhece. Contactada pelo «Expresso das Nove», fonte da Secretaria Regional do Ambiente adiantou que em 1993 a tutela recebeu um relatório com informação sobre o caso Scorpion, remetido pelo então Ministério do Ambiente. No documento eram citadas as conclusões do trabalho realizado em 1986 pelas autoridades americanas, as quais afirmavam que não tinham sido detectados quaisquer vestígios de contaminação radioactiva na zona do acidente. A mesma fonte garantiu-nos ainda que das análises periódicas que são feitas às águas junto à costa e nas zonas balneares nunca foram detectados valores anormais ou que indiciassem qualquer atentado ambiental. O dossiê Scorpion está sob a responsabilidade do Governo da República. No entanto, o caso não parece merecer grande atenção do Executivo central.

Ninguém desconfiava da arma poderosa que os inimigos russos detinham: os códigos utilizados pelos submarinos americanos. A informação havia sido passada por Walker, um oficial da marinha norte-americana, que protagonizou o pior escândalo de espionagem e que poderá mesmo ter conduzido o Scorpion ao fundo do mar. Desde o início da actividade, em 1959, que o submarino norte-americano navegava nas profundezas do mar vigiando os navios russos. A bordo do USS Scorpion seguia uma experiente equipa de marinheiros, entre os quais intérpretes de russo que interceptavam e traduziam as informações transmitidas pelos militares inimigos a outras unidades em terra. A 17 de Maio de 1968, o USS Scorpion efectuou a sua última missão. Após três meses de serviço no Mediterrâneo, os militares preparavam-se para regressar a casa quando o comandante recebeu novas ordens. As ilhas Canárias eram o próximo destino. A missão era clara: vigiar um grupo de embarcações soviéticas. O submarino demorou cinco dias numa viagem que terminaria de forma abrupta ao largo dos Açores, onde permanecem ainda hoje os respectivos destroços. Os 99 tripulantes que iam a bordo morreram. Contudo, dois militares que faziam inicialmente parte desse grupo e que, no entretanto, haviam saído do submersível, permanecem vivos. O «Expresso das Nove» também tentou falar com um deles, mas até ao fecho da nossa reportagem não obtivemos qualquer resposta de Alan Stricklind, ex-membro da tripulação. Nunca se chegou efectivamente a saber como ocorreu este desastre. Inicialmente especulou-se que tinha sido um dos dois torpedos transportados pelo Scorpion a causar o afundamento. No entanto, esta teoria foi rapidamente abandonada fruto de uma segunda investigação que encontrou as duas armas nucleares intactas no fundo do mar. O caso continua a ser considerado pelo Pentágono como “top secret”. E há mesmo quem defenda a hipótese de o afundamento do Scorpion ter sido desencadeado pelas próprias autoridades norte-americanas em virtude dos soviéticos terem um alegado conhecimento pormenorizado acerca da embarcação norte-americana. Outra teoria avançada revela que o afundamento do submarino poderá ter sido causado por um incidente com um submarino russo que, na altura, também se encontraria no local, mas nada disso é confirmado, quer pelas autoridades norte-americanas quer pelas russas. A última vez que se soube do submarino foi a 17 de Maio de 1968. Cinco dias depois deu-se o afundamento. Foram necessários mais de cinco meses para detectar a respectiva localização. Ainda hoje há quem defenda, quer nos EUA quer na ex-URSS, que com o afundamento do Scorpion ficou também guardado um dos maiores “segredos” da Guerra Fria, razão pela qual actualmente - mais de 45 anos depois - as autoridades russas e norte-americanas continuam a considerar o Scorpion um assunto da mais alta confidencialidade.

A 110 milhas da costa norte da ilha de São Miguel está “enterrado” mais uma embarcação que à data do naufrágio continha material radioactivo. A 25 de Novembro de 1997, o cargueiro com registo no Panamá chamado MSC Carla fez a sua última viagem perto das águas açorianas. A bordo seguiam 11 toneladas de césio 137 acondicionado em barris de aço de 330 TetraBq. O césio 137 é um isótopo radioactivo, proveniente da fissão de urânio ou plutónio. Embora este componente químico não emita vapores, nem gases, é facilmente detectável pelos meios de radiação fruto da sua alta perigosidade. Presentemente, os destroços desta embarcação com bandeira panamiana continuam a 3 mil metros de profundidade, a 110 milhas da maior ilha açoriana. Apesar da legislação internacional, já ratificada por Portugal, relativamente ao transporte de materiais radioactivos ser clara, a mesma nem sempre é cumprida. A lei determina que o material radioactivo seja transportado em cápsulas hermeticamente fechadas, passíveis de aguentar o desgaste, de modo a que a saúde humana e o meio ambiente estejam a salvo de um acidente.


Notícia: «Expresso das Nove», edição de 17 de Setembro de 2004.
Saudações florentinas!!

4 comentários:

Anónimo disse...

Além destas ocorrências acidentais, existem muitos casos de utilização do fundo oceânico para despejo de lixo radioactivo, em especial na região do Atlântico Norte.
http://www.iaea.org/Publications/Magazines/Bulletin/Bull314/31404684750.pdf

http://en.wikipedia.org/wiki/Ocean_disposal_of_radioactive_waste

Anónimo disse...

O excesso de mercúrio encontrado no fígado de certos peixes não tem a ver com contaminação por césio radioactivo.
A contaminação nuclear deve-se à presença de isótopos radioactivos, alguns com períodos de semi-vida de milhares de anos, e não de mercúrio.

Anónimo disse...

Olá José Agostinho, espero que esteja tudo bem nesse seu sonho de terra.
Existe uma cientista australiana, de seu nome Helen Caldicott, veterana do anti-nuclear, que tem seguido atentamente eventos como os de Chernobyl e mais recentemente Fukushima, mas que está sempre muito atenta a tudo o que se relaciona com esta perigosíssima fonte de energia.
O José no seu post não menciona onde se encontra exactamente o submarino mas se for ao largo de alguma das ilhas do Grupo Ocidental ou da Graciosa a situação será ainda mais trágica, devido ao estatuto de reserva da bioesfera destas ilhas, presumo eu. De qualquer forma, se quiser que eu faça uma tentativa para traduzir este post (ou parte dele) para inglês e denunciar a situação à Hele Caldicott, posso tentar. Não custa nada.

cordialmente,
Virginia

p.s. O que as autoridades americanas dizem não interessa. Elas dirão sempre o que resultar menos alarmante para as populações envolvidas.

Anónimo disse...

A corrente marítima do golfo atravessa os Açores e banha toda a Europa Atlântica, influenciando a dispersão de poluentes.
Não sei onde se deu o naufrágio. O local de maior perigosidade para os Açores é seguramente a zona marítima a sudoeste do arquipélago, no enfiamento dessa corrente.