sábado, 22 de dezembro de 2012

«Açores a Pé»: lama e derrocada a caminho do paraíso na Ponta da Fajã

Na costa oeste da ilha das Flores, Nuno Ferreira deixou a vista do Corvo e o Farol da Ponta do Albarnaz para trás. Seguiu por um trilho pejado de lama, água, pedras escorregadias e de vez em quando habitado por vacas assustadiças e coelhos. Já avistava a Ponta da Fajã Grande, célebre pelas suas quedas de água, quando deparou com uma derrocada que engoliu o trilho e o obrigou a fazer corta-mato. Na Ponta da Fajã encontrou meia dúzia de resistentes depois de uma derrocada em 1987 ter levado o Governo Regional a evacuar a zona.

Já deixara para trás o Corvo e o Farol da Ponta do Albarnaz. Por diversas vezes, no início do trilho pensei em voltar para trás e fazê-lo com galochas no dia seguinte. Nesta altura do ano e apesar do repentino bom tempo que abençoou a ilha das Flores no fim do mês de Novembro, os trilhos estão repletos de lama, água e pedra escorregadia.

As vacas encarregam-se em determinadas zonas de tornar os trilhos praticamente intransitáveis. Outras vezes, são árvores, quase sempre cedros do mato que caíram na última intempérie e cortam os caminhos. Outras vezes ainda, é a água das ribeiras que transborda e obriga a atravessar a corrente de água ou pedra entre pedra ou com as botas dentro de água.

Exceptuando esses pormenores mais difíceis de uma caminhada na ilha das Flores no Inverno, tudo o resto é deslumbrante. Os coelhos atravessam-se repentinamente à nossa frente. Numa clareira são três vacas que me esperam assustadas e fogem justamente para o trilho, entre ramadas de cedro do mato. O som da água das ribeiras a despenharem-se para o mar, o chilrear dos pássaros e o rumor do mar lá em baixo acompanha a caminhada num oceano verdejante de pastos, amontoados de cedro e a Vigia da Rocha Negra ao fundo.

Avistei primeiro o ilhéu de Monchique. A seguir, vi lá ao fundo espetada até às rochas abruptas que se erguem em frente ao mar, a Ponta da Fajã. Foi pouco depois que o trilho desapareceu engolido por uma derrocada. A rocha quebrou lá no alto e uma torrente de lama, pedra e água cobriu o que dantes era o trilho entre Ponta Delgada e a Fajã Grande. Fui saltando de obstáculo em obstáculo, enterrando as botas na lama, saltando de pedra em pedra, procurando escorregar o menos possível. Quando consegui ultrapassar a primeira frente de derrocada ou «quebrada», não via o trilho. Tive de atravessar um mar de conteiras, saltar uma árvore derrubada para descobrir uma nova frente de derrocada que me fez lembrar os corta-fogos do Continente. Ainda pensei na hipótese de descer por ali até junto ao mar mas acabei por recuperar o trilho uns saltos entre pedras e mato mais à frente.

A travessia levou-me a um patamar onde temos o mar lá em baixo, a rocha do lado esquerdo e uma fatia de caminho atapetado a verde com vista para a Ponta da Fajã Grande. O Sol já estava a esmaecer quando lá cheguei. Nesta altura do ano, são poucos os habitantes do lugar, uma ponta de terra que cai abruptamente sobre o mar, cercada por montanha verde de onde caem uma, duas, três, quatro quedas de água, a última das quais é a mais conhecida, o Poço do Bacalhau. No meio do cenário, a Igreja branca da Nossa Senhora do Carmo.

A Ponta da Fajã é um lugar idílico mas considerado perigoso desde que a 19 de Dezembro de 1987 uma derrocada destruiu uma casa, uma capela e uma garagem. Os 50 habitantes foram obrigados a deixar o lugar mas aos poucos os mais teimosos e que ali sempre viveram, regressaram, um regresso que tem algumas semelhanças com o que aconteceu em São Jorge na Fajã da Caldeira de Santo Cristo (ali a fajã foi evacuada quando do sismo de 1980 mas os habitantes voltaram).

Sentado à porta de casa, pouco depois da Igreja, encontrei Manuel da Ponte. «Não gosto da Fajã Grande, toda a vida aqui vivi e é aqui que eu gosto de estar. Era uma vida difícil. Essa montanha estava cheia de arames para trazer lenha e ração para o gado em cestos. Cultivávamos a terra toda. Agora estou cá eu e mais meia dúzia».

Não tem medo? «Não, as “quebradas” não atingem esta zona, a maioria das casas não estão em perigo. Só uma ou duas que estão abandonadas é que estão mais perto da encosta. Ali à frente vê-se uma “quebrada”. Foi há pouco tempo e não atingiu nada nem ninguém».


Crónica do jornalista Nuno Ferreira no portal «Café Portugal».
Saudações florentinas!!

4 comentários:

Anónimo disse...

Este Sr. Manuel está a mentir porque viveu muitos anos na Fajã Grande e ele e a sua 1ª mulher(Sra. Madalena) até tinham uma pequena loja!!!
E se ele diz que não gosta da Fajã Grande então não deve gostar da Ponta da Fajã Grande porque ela pertence a Fajã Grande bem como a Cuada!!!

Anónimo disse...

De vez em quando a rocha escaqueira-se e vem abaixo pedras enormes, lama e arvores arrancadas.

Aquilo é deveras perigoso, sobretudo no inverno, com ventos, muita chuva e ribeiras a correr.

Aqui há tempos houve um deputado que entendia que não e que se podia lá viver. Ainda mal tinha acabado de falar no parlamento, a rocha desabou como ciclicamente acontece, fazendo perigar quem lá estivesse e danificando bens.

Serviu de lição. Ganhar eleições e andar na politica, não dão entendimento das coisas a ninguém.



Anónimo disse...

O sr. Manuel viveu na Fajã mas viveu muitos mais anos na Ponta e quando vivia na Fajã passava o dia na Ponta trabalhando as suas terras.Ponta e Fajã são uma freguesia mas são 2 lugares completamente diferente.Porque é que dizes que ele mente? Não podes saber os sentimentos dele.

NUNO FERREIRA disse...

Fico contente que tenham publicado aqui o meu texto. Abraço a todos os florentinos e ao Sr Manuel que ama a Ponta da Fajã e é isso que interessa.
Nuno Ferreira