«Brumas e Escarpas» #59
Festas do Espírito Santo na Fajã Grande
Na Fajã Grande, nos anos 1950, existiam seis impérios: quatro do Espírito Santo e dois de São Pedro. Os impérios eram espécies de associações ou agremiações de “mordomos”, ou seja, de pessoas que faziam parte de um império. Qualquer pessoa, mesmo que não residisse na freguesia, poderia ser mordomo num ou em mais do que um dos impérios.
Os impérios do Espírito Santo destinavam-se aos adultos e os de São Pedro às crianças, distinguindo-se apenas pela coroa que, no caso dos segundos, era bem mais pequenina do que a dos primeiros. Eram os seguintes, os impérios fajãgrandenses: Império do Espírito Santo da Casa de Cima, Império do Espírito Santo da Casa de Baixo, Império do Espírito Santo da Ponta, Império de Espírito Santo da Cuada, Império de São Pedro da Fajã Grande e Império de São Pedro da Ponta.
Apenas os quatro impérios do Espírito Santo tinham sedes próprias, denominadas “casas” do Espírito Santo. Eram edifícios amplos, semelhantes a ermidas, mas embora tendo altar não era celebrada missa nestes edifícios que, no entanto, estavam disponíveis para outros fins. A casa do Espírito Santo de Baixo foi escola durante dezenas de anos e a de Cima foi sede da Filarmónica, servindo também como salão de visita e de sala vip da freguesia.
Cada império tinha os seus símbolos, os seus foliões e outros bens. Os símbolos eram a coroa (uma ou duas por império) e as bandeiras. Estas eram brancas e vermelhas, sendo que a branca simbolizava o pão e a vermelha a carne. Cada império tinha apenas uma bandeira branca e várias vermelhas. A bandeira branca era menos importante do que a vermelha: seguia à frente dos cortejos, era transportada por uma criança sem varas laterais e ficava à porta da igreja, enquanto as vermelhas eram transportadas por meninas, dentro de quadrados de varas e eram colocadas junto ao altar, ao lado da coroa, durante a missa. Para além destas bandeiras colocadas no mastro: uma vermelha e outra branca, maiores do que as outras e que eram hasteadas em lugar de relevo, na rua, em frente à respectiva casa.
Cada império tinha os seus foliões que acompanhavam os cortejos e cantavam as “alvoradas”, nas terças, quintas e sábados que antecediam a festa. O canto dos foliões era acompanhado de um tambor e dos pratos e, nalguns casos, da pandeireta. Além disso, cada império tinha as varas e outro material destinado à matança do gado, ao partir da carne e do pão e à organização da festa.
O objectivo principal de cada império era louvar o Divino Espírito Santo, sobretudo através da partilha da carne e do pão pelos “mordomos” e pelos pobres que não podiam ser mordomos, ou que sendo-o não podiam pagar a carne. Este objectivo concretizava-se através da realização duma festa em cada ano, no dia de Pentecostes ou nos domingos subsequentes. Os impérios de São Pedro faziam-na no dia liturgicamente dedicado ao santo, ou seja 29 de Junho, na altura dia santo abolido.
Eram os “cabeças” os responsáveis em cada ano pela festa, que tinha três momentos importantes: o matar do gado (na sexta-feira), o benzer da carne e a sua distribuição pelas casas dos mordomos acompanhados da coroa, bandeiras e foliões (no sábado) e a festa no domingo. Esta consistia num cortejo solene para a igreja, missa festiva e o regresso à casa, onde se prolongava a festividade profana por toda a tarde, com jogos, bailes, arraial e distribuição gratuita de fatias de massa sovada e vinho abafado e licores a todos os presentes. Ao anoitecer, antes de encerrar a festa, eram deitadas as sortes para escolher os “cabeças” para o ano seguinte. O processo de escolha processava-se de forma muito peculiar: eram colocados dentro da coroa os nomes de um conjunto de todos os mordomos, excluindo doentes, velhos, mulheres, emigrantes e outros julgados incapazes ou indisponíveis. Depois de ali colocados, uma criança retirava três papéis, que eram abertos e lidos na presença de todos, revelando os nomes dos “sorteados”. Mas se os cabeças do ano em curso tivessem feito uma festa que tivesse agradado à maioria dos mordomos, alguém, à socapa e sem que “os cabeças” se apercebessem enquanto realizavam esta operação, pegava numa das bandeiras e tentava cobri-los com ela. Se o conseguisse com sucesso, a operação parava de imediato, ficava sem efeito e eles seriam os “cabeças” no ano seguinte.
De seguida realizava-se o último acto das festas: “levar as sortes”. Organizava-se um novo cortejo, já de noite, com foliões, coroa, bandeira e os mordomos, com destino a casa dos novos cabeças, com o objectivo de lhes anunciar “oficialmente” o mandato recebido através das sortes.
Durante a semana que precedia a festa, à noite cantavam-se as alvoradas e o povo juntava-se na casa, convivendo através de jogos, bailes e no sábado com distribuição de fatias de massa sovada, vinho abafado e licores por todos. Os foliões tinham músicas específicas para cada momento ou cortejo. Esclareça-se também que em todos os domingos entre a Páscoa e o Pentecostes, as coroas e bandeiras de cada império, em cortejo separados deslocavam-se à igreja para a missa. Aguardavam uns pelos outros, à porta da igreja e eram recebidos pelo pároco que as acompanhava até aos altares laterais, onde eram colocadas, enquanto entoava o “Veni Creator”. Apenas as bandeiras brancas ficavam ao fundo da igreja.
Acrescente-se também que num desses domingos, de tarde, os “cabeças” em cortejo com os foliões e os símbolos, percorriam as casas dos mordomos, a fim de saber a quantidade de carne que pretendiam, pois cada um é que pagava a sua, e se davam ou não davam pão de trigo. Só feitas as contas escolhiam a rês ou reses a abater. O pão oferecido pelos que o tinham e o excedente de carne era distribuído pelos “mordomos” pobres ou pelos pobres da freguesia que nem mordomos eram.
Carlos Fagundes
1 comentário:
A Alma Açoriana não tem fronteira.
https://www.youtube.com/watch?v=I9FjGF92TG4
Enviar um comentário