O ciclo do milho na Fajã Grande, nos anos 50
Parte V – Sachar, desbastar, mondar e correr
Uma vez semeado, não tardava muito e era um regalo ver o milho a crescer, a crescer, muito verdinho e espevitado. Em Abril, Maio ou Junho começava a primeira das várias e pesadas tarefas que a produção do milho exigia - sachar. Quando o milho ainda estava miudinho mas já muito bem-nascido, por vezes debaixo de um calor tórrido, homens mulheres e crianças dirigiam-se para as terras descalços, chapéu na cabeça e sacho às costas. Sachavam e mondavam todos os campos onde havia milho, de lés a lés, retirando as ervas daninhas e as mondas para que o milho crescesse melhor e dispusesse de toda a riqueza e força do terreno. Antes porém um ou dois homens mais experientes iam à frente com o intuito de desbastar o milho, isto é, de arrancar os pés aparentemente inúteis bem como os das zonas em que estavam mais bastos para que os outros crescessem mais à vontade. Era um trabalho difícil, uma espécie de arte que só os mais velhos e experientes sabiam e podiam fazer. Se o milho ainda era miudinho esses pés excedentes ficavam a apodrecer sobre a terra, juntamente com a monda que também era arrancada. Mais tarde haviam de se transformar em estrume. Se pelo contrário o milho já era maior, os pezinhos arrancados eram atados em gavelas que depois se amarravam formando molhos que eram trazidas para casa, para alimento dos animais bovinos. Os que iam atrás, curvados, com uma mão no sacho outra na monda ou na terra, arrancavam todas as ervas daninhas existentes, sacudiam-lhes as raízes e reviravam toda a terra com o sacho, amontoando-a junto dos pezinhos do milho, sobretudo dos mais frágeis, para que estes crescessem fortes e se protegessem das ventanias e temporais que viriam algum tempo depois.
Uma vez sachado, mondado e desbastado, o milho crescia a olhos vistos e nos dias seguintes os campos transformavam-se em enormes tapetes de folhas verdes, caneladas e pontiagudas, ladeadas pelos canteiros onde floresciam couves repolhudas e, às vezes até as ervilhas, os feijoeiros, as caseiras e os tomateiros também entrelaçados pelo meio, que embora semeados em pequena quantidade, começavam já a trepar pelas estacas de cana que eram espetadas aqui e além ou pelos próprios milheirais.
Algum tempo depois, era necessário “correr” o milho e desbastá-lo novamente. A tarefa de “correr” era bem mais rápida e menos cansativa do que o sachar, pois nessa altura já tinham sido arrancadas quase todas as mondas e ervas daninhas. Agora bastava apenas passar novamente toda a terra a terra com o sacho ou com o lado de uma enxada, revirá-la e ajeitá-la ainda mais para junto de cada pé de milho para que este, agora já bem mais alto e esguio, ficasse bem “calçado” e resistisse corajosamente à força do vento. Nessa altura o milho era desbastado pela última vez. Aos pés agora arrancados era cortada a raiz e eram trazidos para casa para alimento dos animais. Nas terras longe do mar, quando o milho já estava espigado, era semeado o trevo e a erva da casta, devendo todo o terreno ser novamente passado ou seja revirado de lés a lés com um sacho ou ancinho a fim de que as sementes lançadas à terra se misturem com esta para nascerem as respectivas forrageiras.
Na Fajã Grande, contrariamente a outras localidades das Flores e dos Açores, os homens sempre sacharam e correram o milho curvados ou de cócoras, segurando com uma mão o sacho e arrancando a monda ou anafando, ajeitando ou alisando a terra com a outra. Essa a razão porque aos sachos comprados nas lojas e que vinham do Faial se lhes cortava sempre o cabo pelo meio.
Carlos Fagundes
Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».