sexta-feira, 26 de setembro de 2008

«Miscelânea da Saudade» #2 (2/2)

Na segunda vez que fui à ilha, mais ou menos pela mesma data, foi mais para recuperação e alívio da culpada consciência, e não pelo veraneio. Conversei com amigos de infância, fiz-me à terra com chuva ou vento e sem preocupações. Sinto-me mais dentro das Flores quando respiro toda essa lenta natureza em moção com a perspectiva de dias melhores.
Tudo isto, não indica que gostaria de passar um duro Inverno, ou um Verão quente na "Pérola" dos Açores.

E o mar!...? Esse irrequieto Oceano, percorrendo os quatro cantos do mundo, mesmo depressa, não deixa de beijar e abraçar em véus de espuma as ilhas de Gonçalo Velho, serão? Serão elas? Pelo menos estas duas?
Estas ilhas, Flores e Corvo, carenciadas desde descobertas, parecidas a uma nesga de terra comprada por meu avô materno, situada contra a rocha da Fajã de Lopo Vaz, que, por ser longe e de fraco cultivo, pouco valia a pena ir lá. Era um declive lá no fim da Fajã a que, de quando em vez, despenhava-se um calhau a fazer o "rock n' roll", era perigoso.
Quando me falam em Gonçalo Velho Cabral, o descobridor dos Açores, penso que o livro de suas descobertas terminou na sétima página...

Talvez fosse essa a razão do Continente português esquecer que mais além estavam duas 'nesgas' de terra que Portugal havia clamado suas. Decerto, o meu avô seguiu a mesma terminologia da 'nesga' da Fajã de Lopo Vaz, quando disse: «não vale a pena; é muito longe e pouco dá...»

As ilhas dos Açores, arquipélago que faz parte da Macaronésia, comparadas a muitas outras, por exemplo: as Caraíbas, e outras partes do mundo, que se encontram embutidas em baías, aglomeradas em diferentes Oceanos, sob atmosferas poluídas e de pouca confiança; com tremores de terra, furacões, maremotos e tudo isso, penso, sem exagero ou regozijo que, podemos dizer: bem-hajam os Açores, e o ar puro que os bafeja.

Aqui, no Canadá, chamam "o nosso mar dos Açores". Porque será? De facto, psicologicamente, sentimos a patriótica sensação quando dizemos 'mar dos Açores', fazendo-nos pensar que essas águas ficam por ali para dizermos: "águas açorianas". O peixe, sim; a água, não! Não nos consta que o peixe costeiro possa migrar de ilha para ilha ou para outra nação.

Sabemos que as águas dos Oceanos movem-se, deslocam-se igual ao vento, entrando e saindo desarticuladamente da região, sem haver monitorização, ou estarem sob observações, comando ou previsões. Realmente não há mar que se possa dizer: Mar dos Açores. Também sou assim. Pelo menos senti essa intuição sensível, aquando em 1987, já com os pés molhados, entrei com sapatos e tudo, na água onde aprendi a nadar, e designadas por "Poça de Dentro" e "Poça de Fora", já hoje afogadas de pedra e cimento para o Porto das Lajes. Nessa altura que elas ainda lá estavam, ao meter os pés na água, também disse: «Estou no mar das Flores».

Denis Correia Almeida

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