«Miscelânea da Saudade» #8
Talvez [seja] por [eu] estar avançado nos anos, que seria mais fácil dizer "velho", como também mais prático do que arranjar desculpas.
Digo isto porque ando a engalinhar com certas coisas que vejo no televisor, acerca de religiões que frequentemente aparecem por cá aos fins-de-semana. Evangelistas! Assim são conhecidos. Com aquele monotelismo e táctica da autonomia deles, e frases suas quase intermitentes entre orações bíblicas, preenchidas no "meio" e a persuadir à sua moda com interpretações da forma que eles improvisam. Torna-se enfadonho e até é embirrante ouvi-los. O problema deve ser meu mas, oh meu Deus!, não há mesmo maneira deles lerem o versículo ou capítulo sem "moerem" no assunto e sem quebrarem a cabeça às pessoas? Eis uma sugestão para mim mesmo, antes que me a dêem, faço eu a receita cá de casa: se não gostas, muda de canal ou fecha o televisor.
Olhem, pronto!... Já o fiz. E como é domingo de manhã, agora passo à frente.
Naquele tempo em que eu andava por aí nas Flores, para melhor dizer, nas Lajes, os padres pareciam ser menos chatos. Isso era noutro tempo. Outra época. Já não vou à missa desde que assisti a uma por altura do funeral do meu único irmão, nos States em 1996.
Para não massacrar o juízo ao leitor, e por haver falado em missa, entro direito no assunto. Sou católico, com licença dos leitores, apenas no nome. Fui baptizado e casado pela Igreja Católica, o qual "não deu certo" e não atribuo faltas à Igreja. Esta, faz-me lembrar um cantador terceirense quando cantava à porta da igreja onde havia casado. Canta[va] ele: "Eu aqui me baptizei / Dizer-vos isto me atrevo / E também aqui casei / Ao padre favores devo". Responde o outro, que cantava ao lado dele: "Pelo padre te ter casado / Não te fez nenhum favor / Porque o padre é obrigado / A casar seja quem for".
Bem, isto não deve ser bem assim...
No meu tempo de rapazote, tempo esse em que os padres celebravam a missa com as costas voltadas para os fiéis; tempo em que se tomava a comunhão apenas com a língua, e não na palma da mão como hoje; tempo em que devíamos ser confessados para podermos comungar, mas com o estômago vazio. Tempo em que se comprava bulas, esse documento papal que permitia o católico comer carne às sextas-feiras, ou então, "comer o toucinho escondido debaixo das couves".
Tudo isto mudou! Até mesmo agora temos os apertos de mão, as felicitações a meio da missa, que será estorvo para alguns que estejam ao lado de quem não estão [bem] em termos de comunicação, têm que mudar de banco para não confraternizar ou irmanar com quem não gostam ou devem. Tudo muito bem. Agora mesmo me lembrei desta: imaginemos que um credor e o devedor ouvem missa perto um do outro. Nessa altura do aperto de mão, se os dois concordarem no cumprimento, o devedor poderia dizer ao credor: "a paz esteja connosco e está tudo pago". Gostaria de ouvir isto e ver a cara do credor, como também ouvir a resposta dele ao sair da igreja.
Ainda sobre coisas doutros tempos e religiosidade, se os patrícios lajenses, os mais antigos, imaginarem a ribeira das Lajes, na descida pela rampa, rente à Casa do Espírito Santo. A ribeira encontra-se mais abaixo, como sabem. O meu bom pai já viúvo, num sábado de manhã cedo, talvez humilhado com a triste vida e com dois [filhos] órfãos de mãe, que éramos nós, andou ribeira acima levando um cesto com roupa para lavar. Ainda era lusco-fusco, começando a lavar a roupa, ouviu umas fortes gargalhadas de escarnecimento. As gaitadas vieram de duas mulheres que se encontravam na porta do quintal "duma casa lá em cima", perto da velha Central eléctrica, recordam-se de quem era a casa? Pronto!... O homem, viúvo de poucos meses, esse meu bom pai, noutro dia, domingo, encontrou-se com o meu padrinho João Tavares Pacheco, conhecido por João Serrilha, ouvindo eu o seguinte diálogo: ó compadre; eu não vou mais à igreja, porque aquelas (.....) mulheres, essas que enfeitam a igreja todos os fins-de-semana, e estão lá todos os dias a tomarem comunhão, escarneceram de me verem lavar a minha roupa e a dos pequenos. Nunca mais vou à igreja!...
Até falecer em São Miguel, o meu pai nunca mais acreditou em tudo o que se fizesse nas igrejas. Todavia, isto não foi dissuasivo para mim, porque continuei por vários anos a frequentar a igreja e de repente, quando calhar, irei [regressar]. Também sei que isto não será dissuasão para os outros. O que mais o revoltou e dissuadiu, daquilo que dantes era, foi a atitude jocosa dessas beatas santas mulheres, sabendo-se que eram anjos efectivos da igreja e sabiam da vida complicada que tínhamos.
Com tudo isto, não faz com que eu não queira muito à minha ilha das Flores. Estando agora a duas semanas antes do Natal, para todos os florentinos e os que nas Flores vivem, desejo-vos um Santo e Feliz Natal com um Próspero Ano Novo de 2010.
Denis Correia Almeida
Hamilton, Ontário, Canadá
Hardlink@aol.com
1 comentário:
Gostei do postal do nosso amigo Denis Correia Almeida.
Naquele tempo a vida era dura, mas a partir dessas dificuldades e necessidades forjavam-se grandes mulheres e grandes homens.
Para o nosso amigo Denis , votos dum Bom Natal e um Feliz Ano Novo.
Já que estamos em sintonia com a diáspora, também desejo um Bom Natal, Feliz Ano Novo e um bom regresso à ilha ao comentador FDM e que segundo o próprio deve estar em Boston com neve pelo pescoço, a não ser que o nosso especulador bolsista esteja noutras latitudes mais temperadas, com o seu blazer azul e os seus óculos Prada.
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