sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

«Brumas e Escarpas» #53

As latinhas de litro de azeite

Na Fajã Grande, nos tempos em que ainda não proliferavam os hoje tão divulgados utensílios de plástico e afins, rareavam os apetrechos necessários a uma vida quotidiana de cariz profundamente agrícola e rural. Por outras palavras, arranjar o utensílio necessário e adequado para o transporte de um líquido, de um cereal, de batatas ou de outro produto agrícola qualquer era um bico-de-obra. Para o transporte do leite havia apenas as enormes e descomunais latas de doze, dez ou seis litros e que para mais nada serviam, a não, realmente, para tirar o leite às vacas, transportando-o para os postos de desnatação. Além disso, em termos de latas, apenas era possível investir nas que destinavam ao transporte do leite. Para a água havia baldes de madeira, pesadíssimos, incómodos para o transporte e que, com o deteriorar-se através do uso, se transformavam, mais tarde, em baldes de comida para o porco, colocados permanentemente num canto da cozinha e onde se iam armazenando restos de comida e lavagens. Para o milho, abóboras, batatas e outros produtos semelhantes, assim como para a roupa suja que havia de ser lavada na ribeira ou posta a quarar em relvas ou nos estendais, havia cestos de vimes. Para os inhames havia os sacos de serapilheira. As garrafas eram raras e pequenas, não havia garrafões. As bilhas de barro eram para o petróleo e os bules para o café. Para amassar o pão utilizava-se selhas de madeira e para a carne do porco alguidares e salgadeiras de barro. E, praticamente, exceptuando as latas de madeira para a urina das vacas e as canecas das latrinas, ficávamos por aqui em termos de vasilhame.

Ora acontecia que por essa altura o azeite rareava. Era comprado apenas em pequeníssimas quantidades, guardado num minúsculo frasco, tinha o nome de “azeite doce” e era usado apenas com fins medicinais, sobretudo para untar os enormes “galos” que fazíamos na testa ou no cocuruto. Este azeite chegava às lojas em pequenas latas de 1 litro, a maior parte das quais eram da marca “Galo”. Assim que um comerciante abria um dessas latinhas, fazendo-lhe dois furos na parte superior para ir vendendo o azeite a retalho, logo uma série de candidatos se perfilavam na esperança de terem acesso gratuito à lata, depois de vazia.

É que as mesmas eram aproveitadas e transformadas em pequenas latas. Essa tarefa competia ao latoeiro da freguesia, o Antonino de tio Francisco Inácio, com oficina ali mesmo à Praça, que as preparava com meticuloso cuidado e desmedia perfeição. Cortava-as na parte de cima de modo a que esta fizesse uma tampa e colocava à volta da parte de baixo uma tira de lata soldada na qual a tampa cortada havia de encaixar-se. Com pingos de solda tapava os dois buracos da tampa, com um pequenino pedaço de lata soldava-lhe uma espécie de mão e punha-lhe um arame à volta, preso em anilhas soldadas nos lados, abaixo da tampa e aí estava uma lata de litro perfeita. Restava apenas lavá-la muito bem a fim de que perdesse por completo todo o sabor e a gordura do azeite.

Estas latas eram um autentico luxo para quem as possuía e serviam sobretudo para quem ia comprar leite ou para quem tinha uma cabra ou uma vaca que desse menos do que um litro. Curiosamente também serviam para ir levar umas sopinhas de café aos homens que trabalhavam nos campos.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

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