domingo, 20 de março de 2016

«Brumas e Escarpas» #101

Do Cilindro ao Canto do Areal

Aquela que hoje é considerada uma das mais interessantes avenidas marginais da ilha das Flores, outrora era uma simples e tortuosa vereda. Iniciava-se junto ao Matadouro, num cruzamento que ali havia, designado a partir da década de 1950 por Cilindro. A razão deste topónimo teve a sua origem por altura da construção do troço de estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande. Quando os empreiteiros vindos da Terceira chegaram à Fajã Grande, trouxeram apenas o material de apoio que a ilha não dispunha. O restante foi construído e fabricado por eles próprios, já depois de ali se terem fixado dando início às obras. Foi o caso dos cilindros com que haviam de calcar o cascalho e a bagacina que formavam o liso tapete da nova estrada.

O primeiro cilindro de pedra e cimento foi construído perto do Matadouro, situado entre a Via d’Água e o Porto, junto à Baía de Água e em frente à canada que dava para casa do José de Lima. Porém, este primeiro cilindro construído na Fajã Grande era enorme e pesadíssimo. O seu tamanho exagerado e o seu peso excessivo criaram um gravíssimo problema aos construtores: é que o cilindro de tão pesado que era, nunca permitiu às limitadas forças motoras existentes na freguesia – uma camioneta e meia dúzia de juntas de bois atreladas umas atrás das outras – que conseguissem movê-lo um centímetro que fosse do próprio lugar onde tinha sido construído. Perante tal inultrapassável imbróglio foi arquitetado um novo cilindro, mais pequeno e mais leve, enquanto aquele mamarracho ficou anos e anos ali parado, com a interessantíssima vantagem de apenas ter dado nome àquele local, que passou a chamar-se o lugar do Cilindro ou simplesmente o Cilindro.

Aí construiu-se, mais tarde, aquando da abertura da estrada, um pequeno largo com um cruzamento, no qual se iniciava, precisamente, a vereda ou canada que dava para as terras das Furnas, do Areal e do Canto do Areal, assim como para toda a orla marítima, desde da Baía de Água até ao Rolo do Canto do Areal. Era uma vereda muito estreita e sinuosa, com o piso de pedregulhos soltos, interdita a carros e corsões, traçada na direção norte/sul, ladeando na sua totalidade, a oeste pelas pedras negas do baixio e a leste delineada pelas paredes das courelas, belgas e terrenos de milho e de batata-doce que por ali existiam. No Respingadouro a vereda alargava-se e confrontava-se a oeste com o Campo de Futebol das Furnas a que, em arte, também dava acesso. Seguia-se, em frente à entrada principal do Campo um pequeno largo, transformado por vezes em descansadouro. Depois a vereda formava uma pequena curva, bifurcava-se com o Caminho das Furnas e da Rua Nova, passando, de seguida ao lado de uma lixeira ali existente, no enfiamento do Caneiro das Furnas e da Furna das Mexideiras. A partir daí, a vereda alargava-se com um pisoo mais liso, seguindo quase em linha reta até ao Canto do Areal, dando acesso a outras canadas e caminhos, nomeadamente à Rua das Courelas que se iniciava precisamente no Caminho do Areal.

Esta vereda era muito frequentada não apenas por quantos tinham propriedades a que a mesma dava acesso, mas também pelos pescadores e pelos apanhadores de lapas que procuravam os pesqueiros desde da Baía de Água ao Canto do Areal, nomeadamente do Rolinho das Ovelhas, Respingadouro, Furnas, Retorta, Redondo, Coalheira, Poça das Salemas e Canto do Areal.

Aos domingos e sempre que havia futebol, esta vereda era uma das vias de acesso ao Campo, para onde o povo se deslocava para assistir aos jogos de futebol entre o Atlético e a Rádio Naval, a Académica da Fazenda, o Sporting e a União, ambos de Santa Cruz.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

1 comentário:

Anónimo disse...

Não conheço os nomes que em pormenor são referidos,pois nunca vivi na Fajã Grande,indo lá muito ocasionalmente,quase sempre pela Senhora da Saúde,o meu pai tinha promessa. Como se sabe,antes de haverem estradas,as populações em geral,conheciam mal a Ilha,mas lembro-me bem do campo de futebol,onde cheguei a ir.Era pequeno,teria talvez as medidas mínimas e muito pedregoso,como os pavimentos que descreve.
São recordações de um tempo diferente,para o bem e para o mal. Havia muita gente,dava para quatro equipas de futebol. Hoje não existe nenhuma.Apenas desportos de Pavilhão.
Obrigado,Carlos Fagundes. Mais uma interessante crónica.