quarta-feira, 16 de março de 2016

Joel Vieira privilegia a carne, o peixe e os produtos genuinamente açorianos

O chef florentino vai ele mesmo ao mercado escolher os produtos e regatear preços com os vendedores.

Joel Vieira faz questão de escolher directamente os produtos que vai usar. É em São Roque que compra o peixe. A carne de vaca é IG, vem da Terceira e é adquirida em Rabo de Peixe onde insiste no corte à sua maneira. Quase todos os outros produtos faz questão de ir comprar ao mercado. Depois de dar “uma volta para ver o que é que tem bom aspecto”, de confirmar os aromas e escolher o que quer levar para o menu do dia, tenta ainda “regatear os preços” com os vendedores.

Daria menos trabalho encomendar avulso num qualquer fornecedor mas isso não faz parte da sua filosofia de vida: “Faz muito mais sentido ajudar alguém que eu sei que vive da terra, do que ajudar uma empresa que só compra e vende caixas, que nunca meteu as mãos na terra e que não sabem o trabalho que aquilo dá”, explica Joel Vieira.

Conta, por exemplo, que gosta de comprar a fava a um senhor que cultiva – “se ele trabalha bem, merece ser reconhecido por isso” – e confessa que lhe dá um gosto especial ir depois mostrar-lhe o prato que fez com o ‘fruto’ do seu trabalho: “O respeito pelo produto é também o respeito pelas pessoas que proporcionam o produto”.

Também faz questão de usar os produtos da época, porque são frescos, e sempre que possível os produtos regionais: “Se não encontro banana de Vila Franca do Campo madura, prefiro não ter banana na carta”. Apesar de criticar a imagem errada que alguns programas de televisão dão sobre a profissão, Joel Vieira reconhece que tiveram a vantagem de mostrar que “existem coisas diferentes para além da pimenta da terra, coisas diferentes para além dos peixes e das carnes que conhecemos e das combinações que se podem fazer”.

Entre as coisas mais estranhas que já lhe pediram está uma omelete com chocolate, que cozinhou quando esteve em Boston. Sobre para quem gostaria de um dia cozinhar responde que não tem nenhuma ambição específica e que já cozinhou para as pessoas que para si são especiais: “Tive a sorte de já cozinhar para a minha mãe e para as minhas irmãs – foi o momento alto da minha curta carreira”.


Joel Vieira esteve a cozinhar em Hong Kong, na Índia, em Boston e em Londres

O gosto pela gastronomia e por novos conhecimentos levaram Joel Vieira a ter diferentes experiências: “Para ver ingredientes diferentes, maneiras de trabalhar e sempre com sede de aprender coisas diferentes”. Depois do curso na Escola de Formação Turística em Ponta Delgada e do estágio de um mês no restaurante Paladares da Quinta na Lagoa, esteve uns tempos no Douro, num hotel de cinco estrelas. Regressou aos Açores mas desta vez para a ilha Terceira, onde ficou uns meses no Angra Marina Hotel.

Quando a Escola de Formação o informou que havia uma oportunidade de trabalho numa região administrada pela China, não hesitou: “Cinco dias depois de concorrer estava em Hong Kong”. Explica que “era o que queria” pela experiência e não pelo dinheiro, pois “quem quer ganhar muito dinheiro não trabalha em cozinha”. O desafio permitiu-lhe sair da sua zona de conforto “não só a nível gastronómico mas também cultural”. Regressou passados três meses porque o seu visto expirou mas o encanto pela Ásia já o levou a pôr a mochila às costas e ir conhecer a Índia.

Estava novamente no arquipélago quando, também através da Escola, surgiu a hipótese de ir para Boston integrar “um projecto numa cadeia internacional que tem mais de 80 hotéis de cinco estrelas”. Seis meses depois voltou aos Açores mas pouco depois partiu para Londres.

Regressou no fim do Verão passado com vontade de abrir o seu próprio espaço mas não encontrou investidores. Encontrou sim o projecto de Fernanda Teixeira, Luís Medeiros e Carolina Borges, o restaurante Calçada do Cais, na Rua dos Mercadores, em Ponta Delgada. Na entrevista de emprego mais do que apresentar o seu curriculum num papel quis demonstrar do que era capaz e conquistou o lugar com um prato de bacalhau à brás, outro de bife com molho de 3 pimentas e risoto de cogumelos.

Reconhece que “não é fácil impressionar com uma coisa que toda a gente já comeu” mas explica que o desafio é mesmo esse, “as pessoas voltarem a descobrir uma coisa diferente”. Faz questão de privilegiar acima de tudo o sabor mas também o aroma, a textura e o visual.


Notícia: jornal «Correio dos Açores».
Saudações florentinas!!

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