quinta-feira, 19 de março de 2015

Uma viagem "fora de rota" pelo verde e pela(s) água(s) da ilha das Flores (1/3)

Esta é a história de um enamoramento que começou com a paisagem que esta fotografia documenta, vista vezes sem conta na internet, e que se concretizou numa inesquecível viagem de uma semana ao ponto mais ocidental do território nacional.

O que mais impressiona na ilha das Flores é a abundância de água doce. São inúmeros os cursos de água que serpenteiam o território e as cascatas, o verdadeiro ex-libris da ilha, são as mais bonitas de Portugal. 362 ribeiras numa ilha com 1,7 vezes a área do concelho de Lisboa, é obra!

Mas existe muito mais água para além da que salta à vista. Comprovei-o numa caminhada em que o chão estava forrado por um musgo espesso. Ao parar uns segundos para fotografar fiquei boquiaberto quando percebi que sob a ação do meu peso a "maré tinha subido", e as minhas botas começaram a ficar submersas. E foi nesta altura que me ocorreu o título deste trabalho «Flores, a ilha esponja»: aquele musgo funciona como uma autêntica esponja que armazena a água da chuva.

Já em 1645, Diogo das Chagas, frade santacruzense descrevia no livro “Espelho Cristalino em Jardim de várias Flores”:

“Toda ela (a ilha das Flores), assim no centro como na costa do mar é um chafariz perene de água, porquanto se não andam vinte passos assim pela costa, como pelo sertão, que não deem em ribeiras, regatos, e fontes de água; e assim que a água que a natureza nega a muitas das outras ilhas superabunda nesta porque, dizem ter dentro de si 362 ribeiras... e há ribeira a que se ajuntam mais de 30, e rara é a que não se ajunta com outras tantas, que as que entram no mar, que não são só ribeiras, mas algumas delas rios caudalosos; mas as que tem seus nomes particulares são 41, por mim bem contadas...”

Mas nesta ilha a beleza resume-se só à água em abundância? Claro que não.

Logo à chegada fiquei impressionado com a linha de costa, com as falésias a pique sobre o mar, entrecortadas por profundos sulcos cavados pelos inúmeros cursos de água.

É um espetáculo a não perder circundar a ilha de barco e descobrir as muitas cascatas que se despenham diretamente no mar, ao mesmo tempo que nos deslumbramos com as estranhas formas dos ilhéus vistos de perto.

No interior da ilha um planalto central acima dos 400 metros alberga sete lagoas, algumas manchas florestais, e extensos prados pintalgados de pachorrentas vacas. É uma área não habitada, muito bela e, para além de alguns pastores (raros), só se veem alguns turistas (poucos, felizmente) que circulam por aqui nos seus carros alugados, ou em caminhadas, apoiados nos seus cajados telescópicos.

E o reino animal também está bem representado - para além das vacas? Não é muito variado. Em terra firme coelhos (uma autêntica praga) e aves dominam. E é fácil fotografá-los? Nem por isso.

Ao verem-nos os coelhos são tão rápidos a fugir que quando empunhamos a máquina fotográfica já eles estão fora do alcance da objetiva. Já andava frustrado com esta situação quando, finalmente, consegui enquadrar um mais temerário que aguentou 10 segundos parado.

E o mesmo acontece com os melros e restante passarada. Saltitam constantemente de ramo em ramo e só um estado de prontidão permanente me permitiu meia dúzia de fotografias decentes.

Já debaixo de água a história é outra. Um breve mergulho na costa de Santa Cruz mostrou-me um mundo subaquático riquíssimo, onde os muitos peixes ignoraram a minha presença e continuaram impávidos no seu afã.

E o Homem não estragou este paraíso? Não. O ambiente que se respira na ilha ainda é genuíno.

As pessoas são simpáticas, prestáveis, e pareceram-me gente feliz na pacatez das suas vidas. Construíram as suas casas nas fajãs, terrenos planos que confinam com o mar, e que resultam quer do desmoronamento das arribas, quer dos antigos deltas lávicos. E neste caso a ação do homem até trouxe a estes sítios uma beleza acrescida: a geometria dos muros de pedra vulcânica que delimitam os campos agrícolas encanta qualquer um.

As povoações são harmoniosas, os carros a circular são poucos, o peixe que se come é do melhor e claro, a carne, o leite, a manteiga e o queijo das vacas locais têm um sabor único - com tantos pastos o gado só se alimenta de erva tenra dispensando as rações.


Reportagem do «Expresso Diário» e do semanário «Expresso».
Saudações florentinas!!

1 comentário:

Anónimo disse...

Sabe que os coelhos(espertalhotes)fogem, porque a unica coisa que alguêm de fora lhes aponta, é uma caçadeira.