domingo, 1 de junho de 2014

«Brumas e Escarpas» #75

Os achados

Na Fajã Grande dos anos 1950 havia a convicção de que o mar era “muito rico”, chegando mesmo a considerar-se que seria “mais rico do que a terra”. E o povo tinha razão, apesar de neste seu juízo de valor não aludir à importante fonte alimentar que o mar continha - o peixe. Referia-se apenas a riquezas materiais, a tesouros e outros bens de valor que estariam algures nas profundezas dos oceanos e que, de um dia para o outro, poderiam muito bem serem trazidos pelas ondas, sobretudo quando bravas e altivas, despejando-os na orla marítima. Era esta ideia que levava muitos homens, sobretudo em dias de mar bravo, a correr a costa, isto é, a percorrer toda a zona marítima desde o Canto do Areal até ao Rolo, na mira de encontrar tudo aquilo que o mar possuía e que vinha à tona com a revolta das ondas e das correntes, agarrando tudo o que muito bem encontrassem e conseguissem arrastar para terra.

E não se enganavam estes aventureiros da busca de tesouros marítimos. Na realidade muitos eram os homens e até algumas mulheres, que nos dias de mau tempo, se dirigiam para junto da orla marítima, equipados com grandes e potentes pexeiros, vasculhando tudo o que fosse poça, caneiro, enseada ou baía. E verdade é que muita coisa era encontrada, pescada para terra e trazida para casa, sendo aproveitado tudo o que o mar dava. Eram os célebres e tão desejados achados.

Os achados mais frequentes eram garrafas e frascos. As primeiras, sobretudo as de litro, eram muito apreciadas, assim como os garrafões que com menos frequência apareciam. Depois de lavadas eram usadas para o vinho ou para o petróleo, para a creolina, para o óleo de fígado de bacalhau e as mais pequenas para biberons de bebé ou para colocar o azeite doce, a tintura ou álcool. Os frascos serviam para guardar o doce. Outros achados muito frequentes eram as bóias de ferro ou de alumínio. De forma geralmente redonda, com capacidade entre 2/3 litros, depois de furadas junto à asa e bem lavadas por fora e por dentro, eram usadas para o transporte de água, uma vez que a conservavam muito fresca, para os homens beberem enquanto trabalhavam nos campos ou ainda para o transporte para as galinhas ou para outro uso qualquer. Também se encontravam tábuas, barris, lâmpadas usadas, latas, caixas e muitas outras bujigangas. Mas os achados mais desejados, porque muito valiosos, eram os fardos de borracha. Tratava-se de cubos de borracha maciça, alguns bastante grandes e que depois de secos e limpos poderiam ser vendidos e dar bom dinheiro. Na Fajã Grande era a senhora Dias que os comercializava. No entanto, a pessoa que encontrava o fardo não chegava a receber o dinheiro, uma vez que a senhora Dias tinha uma mercearia e entregava o valor estimativo do fardo de borracha em géneros e depois ela própria os vendia a quem os exportava para o Continente. No entanto, este negócio nos anos 1950 trouxe-lhe alguns dissabores, por quanto a lei não permitia que se comercializassem produtos encontrados no mar. A senhora Dias acabou por ter que responder em tribunal, o que veio a prejudicar sensivelmente o negócio, tornando-se a procura dos fardos menos incentivada.

Entre as garrafas, as mais procuradas eram as fechadas, por quanto se cuidava que poderiam trazer dentro alguma mensagem, e entre estas, alguma que pudesse mudar a vida de quem a encontrasse. No entanto, as mensagens destinavam-se sobretudo aos estudos das correntes marítimas ou eram meras brincadeiras.

Outros objectos procurados eram os provenientes dos destroços dos navios naufragados: madeira, objectos de ferro, talheres, bidões, latas, etc. Havia também, nalgumas casas da Fajã Grande, camas, portas, candeeiros e louças encontradas nos destroços da Bidart, do Slavónia e de muitas outras embarcações. Muito interessantes, também, eram as bolas de vidro, brancas, azuis, verdes e castanhas que serviam para ornamentar as salas das habitações. Havia homens que se atiravam ao mar, mesmo quando bravo, simplesmente para agarrar uma garrafa ou uma bola de vidro.

A maioria dos achados, devido à sua longa permanência no mar, geralmente na parte que flutuava debaixo de água, estavam cheios de minúsculos percebes, pelo que, depois de retirados do mar, sobretudo fardos e garrafas tinham que ser muito bem limpos e postos ao Sol a secarem.

A procura de achados caracterizou a ligação ao mar durante muitos anos de uma população que - exceptuando a caça à baleia - pouco se interessava pela exploração do mesmo mar, ou seja, pela pesca.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

1 comentário:

Anónimo disse...

existe nas flores entidades oficiais que dão a alguns funcionarios acessos na internet para mt e mt mais somos de acordo mas cuidado com pc privados